Coincidências e confusões: uma colaboração para o weblivro Antropokaos

Frame do filme Wax or the discovery of television among the bees. Filme em licença Creative Commes disponível online aqui.

 

É com muita alegria que compartilho o lançamento do weblivro “Antropokaos”, com o qual pude contribuir escrevendo o ensaio “A ciência cibernética dos mortos: ficção científica como artefato e documento em Wax or the discovery of television among the bees”. O weblivro faz parte da programação da “Antropokaos: Mostra de Ficção Científica Brasileira”, realizada de forma online e gratuita durante março e abril de 2021, com recursos captados da Lei Aldir Blanc.

 

Nunca pensei em estudar ciência – ou estudar com cientistas. Minha trajetória sempre flutuou entre artes e filosofia – ou pelo menos era assim que imaginava. Isso mudou de forma catártica. Em algum dia de 2014 estava lendo “O manifesto ciborgue” de Donna Haraway quando entre uma pausa e outra, vi no feed de meu facebook a foto de uma mão com a legenda “finalmente implantamos o chip!”. Uma emoção tomou conta de mim, algo como um sopro de paixões muito antigas com a excitação do vislumbre de novas paixões. Um sexto sentido. Uma intuição etnográfica.

Hoje reconheço quais paixões antigas me falavam ao ouvido: eram os livros de ficção científica que tinha devorado compulsivamente durante a adolescência. As distopias ocuparam meu tempo e povoaram minha imaginação enquanto eu mesma me formava pra vida. Nelas, buscava fermento para questões que me rodeavam, questões sobre a vida, sobre como vivemos e sobre como podíamos viver. Um pouco mais velha, uma dessas distopias havia me atingido em cheio: era o clássico cyberpunk Neuromancer, de William Gibson, um livro infestado de ciborgues.

Hoje, passado alguns anos, também consigo ter alguma ideia de quais paixões novas se mostravam no horizonte: a brecha aberta por Donna Haraway, apresentada para mim como figura central na antropologia contemporânea. Se isso era verdade, se aquilo que eu estava lendo no manifesto era já considerado uma referência teórico-metodológica, era esse caminho que eu queria seguir. E partir de um ciborgue me parecia bem razoável. Fui atrás da mão com o chip. Depois de algum tempo que a conheci, uma outra paixão se revelou.  Através desta mão cheguei até o Clube de Biologia Sintética, onde encontrei estudantes de várias ciências. A grande maioria deles tinha lido os mesmos livros distópicos que eu. Junto com eles desenvolvi minha pesquisa de mestrado.

Escrevi o ensaio junto com meu companheiro Érico Perrella, que atualmente é mestrando em Políticas Científicas e Tecnológicas no Instituto de Geociências – Unicamp. A mão com o chip implantado era dele. Nos apaixonamos durante o trabalho de campo. Acontece, eu sei. E aconteceu. Das coincidências e confusões – entre ficção científica e ciência, entre antropologia e filosofia, entre biológico e sintético, entre trabalho e diversão, entre trabalho de campo e vida íntima -, decidimos fazer um composto para o que produzimos academicamente, num sentido amplo do que pode ser isso.

Nosso ensaio é, portanto, um exercício de aproximação de nossas inquietações de pesquisa dentro dos Science Studies com nossos antigos interesses por ficção científica. Escrevemos sobre o filme Wax or the Discovery of Television Among Bees, lançado em 1991 e realizado pelo artista David Blair. Este foi o primeiro filme transmitido via streaming pela internet, em 1993. Analisamos o filme enquanto artefato e documento capaz de capturar quem assiste em uma rede hiperlinkada de realidades fractais, estas também cheias de coincidências e confusões. Convidamos todes à leitura e a comentários!

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