Zine “a informação”, ou o medo da interatividade

Na sala semi-vazia ecoava um não-dito incômodo. De nossas janelinhas, lançamos olhares digitais uns aos outros. Era um dia diferente em nosso laboratório. Resolvi quebrar o silêncio e fazer a pergunta que pairava suspensa. “O que vocês estão sentindo?”
As respostas davam conta de um medo. Medo do que, afinal? A melhor explicação veio de uma comparação entre a oficina de criação de peças gráficas que estávamos prestes a realizar e um “teatro interativo”. Medo da interatividade.
A proposta da oficina surgiu dentro das atividades do Labirinto de investigações coletivas sobre imagem, imaginação, especulação, arte e (tecno)ciência. O conto 2320 Dormio é um exemplo desta pesquisa-produção. Realizada dia 06 de maio de 2021 durante nossos encontros virtuais, a oficina integrou um ciclo de leituras com o tema da “Informação”, onde costuramos James Gleick, Mauro Almeida, Gilbert Simondon e Gregory Bateson. Durante o resto do semestre, nos encontramos também com Donna Haraway, Isabelle Stengers, Marilyn Strathern, Paul Preciado e Audre Lorde.
Durante a oficina, apresentei algumas ferramentas visuais-gráficas úteis para projetar uma determinada relação entre a imagem e os olhares que a encontram. Composição, unidade, harmonia, equilíbrio e contraste são conhecidos como elementos fundamentais do design. É lançando mão destes elementos – e os tensionando – que uma artista gráfica vai comunicar movimento, repouso, continuidade ou ruptura das expectativas.
O exercício proposto foi o de criar coletivamente uma zine. Cada um de nós buscou em suas anotações que mais chamou atenção durante os estudos sobre informação e exercitou comunicar visualmente estes senti-pensares.
Utilizo a zine como ferramenta pedagógica de pesquisa há muito tempo, junto com as crianças e adolescentes de escolas públicas das periferias de São Paulo com quem trabalhei. O processo de elaboração coletiva de expressões sobre as experiências vividas é um momento catártico de encontro consigo, já que envolve uma intensa negociação entre as memórias internalizadas e as possibilidades de externalizá-las. A escolha dos meios expressivos (palavras, formas, cores, etc.) leva em conta uma ponderação sobre a adequação daqueles com o que lembramos que vivemos, e ao mesmo tempo modulamos tais escolhas a partir das expectativas de como serão recebidas. Lado a lado, cada criação individual resultante desse embate consigo mesmo compõe um todo sensível cuja apreensão escapa da formalização racionalizante que impera nas escolas – e na universidade também.
Não é estranho, portanto, que esse medo da interatividade se enraíze em nós, e em muitos casos nos paralise. Talvez a palavra escrita, e nosso ofício de escrevê-las, nos traga alguma ilusão de proteção contra o horror do mal entendido. E talvez o convite para experimentar a interatividade, esse olhar-para-si-e-para-o-resto que a criação artística provoca, seja também um convite para nos expormos de forma frontal ao desentendimento.
Para mim, de nossos estudos o que mais assentou é a ideia de informação como surpresa, capaz de provocar uma mudança no estado anterior do sistema em questão. Durante a construção de nossa zine, pudemos experimentar essa estranha e desconcertante surpresa em perceber que o indizível pode produzir informação, e informar nada tem a ver com entender.

Convidamos a todes para conhecer a zine “a informação”.

 

Legenda da imagem: Ilustração que compõe a zine “A Informação”. Créditos: Carolina Carettin.

 

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