O que 172 mulheres brasileiras nos contaram sobre desejo, prazer e os desafios da sexualidade feminina

Uma investigação revela como diferentes gerações vivenciam sua intimidade e quebram silêncios históricos

Por Talita Azevedo

Créditos: Coleção peladinha, de Bianca Branco

Quando falamos de sexualidade feminina, ainda pisamos em um terreno delicado. Apesar de todos os avanços das últimas décadas, continuamos navegando entre conquistas e obstáculos, entre o que desejamos e o que nos é permitido desejar. Para entender melhor essa realidade, conversei com 172 mulheres brasileiras para entender principalmente sobre duas gerações distintas – entre 25 e 35 anos, outra entre 45 e 55 – quanto às suas experiências mais íntimas.

O que elas relataram revela um retrato complexo: somos uma geração de transição, que herdou tabus seculares, mas também conquistou espaços de liberdade impensáveis para nossas avós. E, principalmente, que ainda temos muito trabalho pela frente.

 

A educação sexual que não tivemos

“É preciso muita conversa aberta, menos julgamento moral, mais educação sexual para quebrarmos o círculo de homens que podem tudo e aprendem sobre sexo vendo filmes na XVídeo e mulheres devem ser recatadas… a conta não fecha”, desabafa uma participante de 53 anos, mãe de um filho, traduzindo uma frustração comum entre as participantes.

A análise dos dados sobre formação sexual revela lacunas significativas na educação formal das participantes. Das 172 respondentes, 31% (n=54) classificaram sua educação sexual como “pouco adequada”, enquanto 32% (n=56) relataram não ter recebido qualquer tipo de educação sexual estruturada.

“Os homens também deveriam receber educação sexual”, pondera uma mulher de 64 anos, tocando em um ponto fundamental: a educação sexual não pode ser responsabilidade apenas das mulheres.

Quanto às fontes de informação sexual, observa-se um padrão preocupante: 58% (n=100) tem amigos como referência, 72% (n=122) das mulheres citaram a internet como principal fonte, conversas com pares aparecem em 22% (n=38) dos casos e apenas 9% (n=17) fala sobre profissionais de saúde presentes no processo, evidenciando como o conhecimento sexual feminino permanece majoritariamente informal e não-sistemático.

“No outro extremo temos meninas achando normal serem tratadas como objeto sexual e meninos aprendendo a odiar mulheres na internet”, completa a mesma participante, mostrando a urgência de uma abordagem mais equilibrada.

 

O prazer que ainda envergonha

“Algumas perguntas foram difíceis de responder porque eu tenho libido, mas no momento estou sozinha e há mais de 1 ano sem relação sexual. Tenho 53 anos e só comecei a me masturbar há poucos meses, e a usar vibrador”, revela uma participante, mostrando como a autodescoberta pode acontecer em qualquer idade.

Os dados sobre masturbação revelam avanços significativos na autonomia sexual feminina: 86% (n=149) das participantes relatam se masturbar, com 65% (n=110) praticando regularmente (frequência semanal ou superior).

Contudo, persiste um indicador preocupante: 32% (n=57) das mulheres ainda experimentam algum grau de culpa, desconforto ou indiferença associados à masturbação. Este percentual sugere a permanência de construções socioculturais que patologizam ou estigmatizam o prazer sexual feminino autônomo.

“A mulher precisa deixar claro ao parceiro os pontos do seu corpo, o que mais dá prazer. Mentir nunca sobre o orgasmo”, aconselha uma participante de 58 anos, evidenciando a importância da comunicação honesta sobre o prazer.

Quando o desejo fala por si

“Percebi o quanto sou sexualizada. É como se não houvesse mais possibilidades de afeto quando o sexo é ‘tirado de campo’. Hoje eu penso que o desejo não é algo que tem idade”, reflete uma mulher de 27 anos, tocando em questões profundas sobre sexualização e etarismo.

A distribuição do desejo sexual atual apresenta uma curva normal, com concentração nas categorias intermediárias: 48% (n=81) relatam desejo médio, 27% (n=46) desejo alto, e 10% (n=17) muito alto. Apenas 15% (n=25) das participantes classificam seu desejo como baixo ou inexistente.

“Conhecer meu ciclo hormonal tem sido essencial. Sinto tesão mas isso não necessariamente se converte em sexo e está ótimo pra mim. Busco me preservar”, compartilha uma mãe de 30 anos, mostrando como o autoconhecimento pode redefinir nossa relação com o desejo.

A análise por faixa etária revela diferenças estatisticamente significativas: mulheres entre 45-55 anos apresentam maior incidência de redução do desejo associada a fatores hormonais (menopausa), estresse e sobrecarga cognitiva. Esta correlação sugere que o desejo sexual feminino é multifatorial, sendo influenciado por variáveis biológicas, psicológicas e sociais de forma integrada.

“A menopausa é um estado de espírito, o desejo vai diminuindo com o tempo e com os contratempos, mas carinho e delicadezas suprem muitas coisas do sexo!!”, conta uma participante de 64 anos, mostrando como a intimidade pode se reinventar.

Créditos: Coleção peladinha, de Bianca Branco

O que realmente importa para o prazer

“O autoconhecimento, ele abrange várias percepções em relação a si, e isso inclui a sexualidade, conhecer o próprio corpo, onde te incomoda, onde te dá prazer, isso traz benefícios importantes para ter uma relação com outra pessoa”, resume uma participante de 30 anos, casada.

A análise dos fatores determinantes da satisfação sexual revela um padrão que contrasta com representações hegemônicas da sexualidade. O vínculo emocional emerge como fator preponderante, citado por 72% (n=122) das participantes, seguido pela sensação de segurança com 55% (n=93) e pelo autoconhecimento/comunicação eficaz com 44% (n=74).

Estes dados sugerem que a satisfação sexual feminina está mais associada a componentes relacionais e psicológicos do que a aspectos puramente físicos ou performativos, contrastando com modelos de sexualidade centrados na genitalidade ou na performance sexual.

“Acho que a diversidade de parceiros nos torna vulneráveis (não é um questão moral). Mais consciente dos meus limites. Sei o valor de dizer não”, acrescenta uma mãe solo de 30 anos, mostrando como limites claros são fundamentais para uma sexualidade saudável.

 

Os obstáculos que ainda enfrentamos

“Sou alguém com vaginismo e no espectro assex e neurodivergente… acho que o questionário poderia abarcar questões de sensibilidade que impedem o prazer sexual completo”, aponta uma participante de 29 anos, lembrando que as experiências de prazer são muito diversas.

A identificação das principais barreiras à vivência sexual plena revela um conjunto de fatores estruturais e subjetivos:

  • Pressão estética: 58% (n=98) das participantes identificam esta como barreira principal, indicando a persistência de padrões normativos sobre corporeidade feminina
  • Fatores de sobrecarga: 47% (n=79) relatam falta de tempo e cansaço como limitadores, sugerindo impacto da dupla/tripla jornada feminina na sexualidade
  • Déficits comunicacionais: 39% (n=66) apresentam dificuldades na comunicação sexual, evidenciando lacunas na educação para o diálogo íntimo
  • Questões do desejo: 28% (n=47) lidam com redução ou ausência de desejo
  • Disfunções sexuais: 18% (n=30) relatam dispareunia (como é chamada a dor durante o ato sexual), com maior incidência no grupo de 45-55 anos, correlacionada ao período peri/pós-menopausa

“Na verdade não é que eu não sinta mais prazer, meu marido se afastou de mim… Me sinto muito carente às vezes pois tenho um homem sob o mesmo teto porém zero contato físico”, desabafa uma mulher de 53 anos, mostrando como questões relacionais impactam profundamente a sexualidade.

Créditos: Coleção peladinha, de Bianca Branco

A menopausa: fim do prazer ou recomeço?

“Minha vida sexual foi baseada em baixa autoestima, insegurança, abuso. Na fase atual, por motivo da menopausa, sinto muita dor na penetração. Desenvolvi uma forma de intimidade com o meu marido satisfatória, momentos de intimidade para orgasmo somente dele. Para mim essa saída foi a melhor opção”, compartilha uma participante de 56 anos.

Este foi um dos temas mais tocantes da pesquisa. As mulheres na faixa dos 45-55 anos trouxeram relatos que misturam dor, descoberta e reinvenção.

“Estou na menopausa há 1 ano”, conta uma mulher de 50 anos, enquanto outra de 54 observa: “Em se tratando de menopausa, na questão H3 acho que faltou opções como sintomas da menopausa, ressecamento e atrofia vaginal que impactam demais as relações sexuais!”

“Pós-menopausa sem reposição hormonal por escolha da minha médica, a falta de lubrificação vaginal mesmo com uso contínuo de hidratantes, torna a relação sexual dolorosa, e isso tem sido o principal fator de fuga do sexo com meu marido”, revela uma participante de 57 anos, mostrando como questões médicas podem impactar significativamente a vida sexual.

“Mulheres que tiveram câncer e não têm a opção de reposição hormonal podem ‘sofrer’ mais com essa questão e, desta forma, devem dialogar de forma transparente com seus parceiros, assim como buscar técnicas/ajuda”, aconselha uma participante de 53 anos, evidenciando a necessidade de apoio especializado.

Entre gerações: o que mudou e o que permanece

As diferenças geracionais emergem claramente nos relatos. Uma participante de 27 anos compartilha: “Apesar de eu ter respondido sobre ser uma pessoa heterossexual eu gostaria de dizer que sinto desejo por mulheres, mas nunca tive alguma experiência… Sou uma mulher preta, busco esclarecimentos… Penso que ser preterida e sexualizada passa por esse lugar.”

“Acho que faltou explorar mais sobre o porquê você está sem parceiro. Muitas mulheres na menopausa estão sozinhas porque se tornam invisíveis socialmente. De nada adianta falarmos só de sexualidade se não falarmos dessa questão, que é o etarismo”, pontua uma participante de 50 anos, tocando em uma ferida social profunda.

As mulheres mais jovens lidam com questões de identidade sexual e racial, enquanto as mais velhas enfrentam o etarismo e a invisibilidade social. Ambas as gerações, porém, compartilham a luta contra padrões impostos pela sociedade.

 

Caminhos para a educação sexual

“Eu indicaria falar sobre métodos naturais, pois contraceptivos fazem mal à saúde feminina… Também indicaria fortemente o desuso de pornografia, cientificamente comprovado como assassino de neurônios”, sugere uma jovem de 27 anos, mostrando preocupação com abordagens mais naturais e conscientes.

“A mídia precisa falar sobre sexualidade feminina sem o prisma do patriarcado”, demanda uma participante de 55 anos, evidenciando a necessidade de novas narrativas sobre a sexualidade feminina.

“Sexo deve ser tratado como algo falado com naturalidade e como algo bom”, resume uma mulher de 53 anos, enquanto outra acrescenta: “Parabéns pela pesquisa. Precisamos cada vez mais abordar esse assunto, pois conhecimento é poder.”

Vozes de esperança e transformação

“Temos que nos conhecer mais e não ligar para opiniões dos outros”, aconselha uma participante de 55 anos, enquanto outra de 59 anos deixa uma mensagem simples mas poderosa: “Que seja com Amor”.

“Gostei muito de refletir sobre essas questões! Parabéns pela iniciativa!”, comenta uma participante de 55 anos, mostrando como estas conversas são necessárias e bem-vindas.

“Esta pesquisa me fez pensar em coisas que eu nunca tinha parado para refletir”, confessa outra participante. “É importante falar sobre isso, quebrar o silêncio.”

O que aprendemos (e o que ainda precisamos aprender)

Esta pesquisa com 172 mulheres brasileiras nos mostra que estamos em um momento único da história feminina. Conquistamos o direito de falar sobre prazer, de nos masturbar sem (tanto) julgamento, de buscar satisfação sexual. Mas ainda carregamos culpas ancestrais, ainda enfrentamos pressões estéticas absurdas, ainda precisamos lidar com o etarismo e com a medicalização inadequada da menopausa.

Algumas participantes foram diretas em suas críticas: “Para mim esse tipo de pesquisa é irrelevante, afinal cada mulher tem a sua própria maneira de se satisfazer sexualmente. Não precisa expor sua intimidade”, disse uma mulher de 70 anos. Sua posição, embora minoritária, nos lembra que ainda existe resistência em falar abertamente sobre sexualidade feminina.

 

Créditos: Coleção peladinha, de Bianca Branco

Mas a maioria das vozes foi de apoio e reconhecimento da importância do tema. “Parabéns pela conquista, amei respondê-las”, disse uma participante de 50 anos, enquanto outra acrescentou: “Adorei esse estudo”.

Talvez a conclusão mais importante seja esta: não existe uma sexualidade feminina única. Existem sexualidades, no plural, tão diversas quanto somos diversas. E cada uma de nós tem o direito de descobrir, experimentar e redefinir a sua, quantas vezes for necessário, em qualquer idade.

O desejo feminino não tem prazo de validade. A sexualidade não é performance. E o prazer – ah, o prazer – é nosso por direito, não por concessão.

 

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Esta reportagem é baseada em pesquisa quantitativa realizada com 169 mulheres brasileiras com respondentes de 25 a 73 anos – tendo mais ênfase entre os períodos 25 a 35 e 45 a 55 anos, em maio de 2025 a partir de um formulário digital com 37 perguntas com referência ao Relatório Hite, estudo criado por Shere Hite sobre sexualidade feminina e masculina na década de 70 anos Estados Unidos. Todas as participantes autorizaram o uso de seus relatos para fins educativos. Os nomes foram ocultados para preservar a privacidade das entrevistadas.

Este estudo foi desenvolvido por Talita Azevedo e gentilmente revisado ortograficamente por Beatriz Ortiz e Andressa Santos.

Talita Azevedo é pesquisadora, antropóloga e escritora. Fundou a consultoria oná com o objetivo de falar sobre criatividade aplicada à tecnologia, é embaixadora do Web Summit no Brasil, atua como mentora de negócios na Associação Brasileira de Startups e estuda Divulgação Científica e Cultural no programa de mestrado da UNICAMP. Seu trabalho cruza análise de dados, inovação afro-diásporica e inteligência regional, com o objetivo de ampliar ferramentas de acervos à memória e promover novos recursos de emancipação socioeconomica no País.

Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025