Menstruação In Vitro

Por Fernanda Mariath

In vitro é uma expressão em latim que significa “em vidro”, que é utilizada para se referir a experimentos realizados com células cultivadas em recipientes de vidro. Como em uma placa de Petri, que é cilíndrica, achatada e bem comum de se encontrar no contexto de um laboratório da área da biologia e da saúde. Assim como ouvir –  e ler – essa expressão in vitro. A antropóloga norte-americana Sarah Franklin descreve como modelos in vitro são uma importante ferramenta no campo biomédico, permitindo a construção de condições controláveis e precisas para investigação de perguntas de pesquisa. Segundo a filósofa estadunidense Donna Haraway, importante referência dos estudos feministas, cada modelo é apto a responder certos tipos de questões e não outras. Quais perguntas podemos fazer e conseguimos responder quando acolhemos o sangue menstrual em uma placa de Petri? 

A verdade é que é até difícil encontrar caminhos para responder essa pergunta, porque esse nosso fluido não é exatamente bem-vindo dentro desse tipo de laboratório. Segundo Hilary Critchley e colaboradores, a menstruação é um tema minoritário na agenda científica, sendo o sangue menstrual praticamente ausente na experimentação científica. Inclusive até no desenvolvimento de produtos menstruais, como absorventes, o sangue menstrual não é utilizado de maneira consistente. Emma De Loughery e colaboradores relatam como foi constantemente substituído por solução salina ou água nos testes de desenvolvimento desses produtos. Com consequências negativas na eficácia técnica desses produtos e, potencialmente, na saúde das pessoas. 

ilustração da série "Feminista In Vitro", elaborada pela designer Bianca Bursi

A historiadora norte-americana Londa Schiebinger demonstra como a menstruação e o ciclo hormonal são entendidos como um problema metodológico na pesquisa das tecnologias em saúde, considerando que complicam a análise experimental e a tornam mais cara. Mas até para a construção desse argumento, o sangue menstrual também não atravessou as portas dos laboratórios e chegou até as placas de Petri da experimentação. Na realidade, os poucos trabalhos que investigam essa presumida instabilidade e a possível complicação encontram que é uma ideia falsa e incorreta.

Nas raras vezes que o sangue menstrual alcança a placa de Petri, pode ser fonte de células-tronco: as células mesenquimais do sangue menstrual (CeSaM). As células mesenquimais são células retiradas de tecidos adultos do corpo – como sangue menstrual, medula óssea, tecido adiposo – e por meio de procedimentos experimentais, essas células adquirem a capacidade de se diferenciar em outros tipos celulares. O que pode ser interessante tanto para a construção desses modelos in vitro para investigação de diversos tipos de perguntas quanto para desenvolvimento de tecnologias em saúde futuras.

A antropóloga brasileira Daniela Manica investigou o cotidiano de pesquisa com as CeSaM em colaboração com pesquisadoras da biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nessa colaboração interdisciplinar, elas encontraram que, apesar de suas numerosas vantagens e qualidades, apenas 0,25% das publicações sobre células mesenquimais escolheram engajar o sangue menstrual na sua experimentação. 

O que fica evidente é que a menstruação é pouco compreendida como um problema de pesquisa biomédica. Ou seja, interessante de ser investigada e tematizada. Na realidade, parece se aproximar mais de um problema na pesquisa biomédica. Percebida como um obstáculo insuperável na experimentação, justificando a não utilização de diferentes modelos e a ausência de várias perguntas – ou, melhor, das suas respostas. Quando o sangue menstrual alcança uma placa de Petri, evidencia barreiras e problemas que precisam ser enfrentados para produção de tecnologias em saúde seguras, efetivas e interessantes para nós que menstruamos – mulheres, pessoas trans e pessoas intersexo. 

Manica discute que a menstruação, assim como outros problemas feministas envolvendo aspectos do corpo e de gênero, provocam debates importantes sobre a centralidade do corpo masculino cisgênero branco como medida e referência do que conta como “corpo humano”. Durante a minha pesquisa de mestrado em Divulgação Científica e Cultural, orientada por ela, eu quis justamente investigar na temática desse debate, com perguntas em torno das CeSaM, células-tronco, sexo, gênero, pesquisa biomédica e estudos feministas. 

Essas minhas perguntas não eram possíveis de serem respondidas através de modelos in vitro, mas podiam ser respondidas através de um outro tipo com modelo com célula. Para saber qual modelo é esse, minhas perguntas e o que eu encontrei nesse caminho, você vai ter que esperar até dia 18 de fevereiro de 2026. Nessa data, lançamos a série de podcast “Feminista In Vitro”, sobre a nossa pesquisa, no Podcast Mundaréu. Enquanto isso, você pode escutar dois  episódios de podcasts  sobre as CeSaM, um do Mundaréu e outro do Oxigênio. A gente se escuta por aí, até o futuro! 

Fernanda Mariath é Farmacêutica (UFRJ) e Mestra em Divulgação Científica e Cultural (Unicamp). Atualmente, está produzindo a série de podcast “Feminista In Vitro” sobre células, sexo e gênero pelo Podcast Mundaréu através da bolsa de Jornalismo Científico da FAPESP, vinculada ao no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. É integrante do do Podcast Mundaréu, como roteirista, produtora e pesquisadora, e também do Labirinto (Laboratório de estudos socioantropológicos sobre tecnologia da vida). Ambos são coordenados pela pesquisadora Daniela Manica (Unicamp), que foi orientadora da sua dissertação de mestrado.

Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025