Diversas são as percepções daquilo que, em nossa cultura, convencionou-se chamar de menstruação. Neste quiz, a Revista Sangro testa seus conhecimentos considerando os aspectos políticos, culturais e o que diz a ciência sobre o tema. Faça o teste.
Surgimento de acne, cólicas, mamas doloridas, fadiga, dor de cabeça, irritabilidade, sensação de inchaço e alterações de humor são alguns dos sintomas mais comuns entre as pessoas que menstruam. Estudos indicam que ao menos 80% delas, sentem alguns ou todos esses impactos nos dias que antecedem o corrimento fisiológico de sangue e tecido mucoso do revestimento interior do útero pela vagina, a menstruação.
Para muitas pessoas – e por diversos fatores que podem ir muito além dos sintomas pré-menstruais – esse período, ou a própria ideia de sangrar recorrentemente durante determinado período do mês, pode gerar sentimentos como desconforto, repulsa, etc. Para outras, a menstruação pode representar também um período de reencontro com o próprio corpo, sazonalidades que ajudam no cuidado e atenção à saúde. Há ainda quem trata o período como acontecimento comum da vida.
O que não é comum, linear ou universal é como a menstruação é tratada por diversas culturas ou observada politicamente mundo afora. A sua percepção e instrumentalização pela ciência e medicina também variaram ao longo do tempo. Mesmo a saúde da mulher e suas posições na sociedade variaram ou sofreram influência direta da menstruação.
Este quiz pode ajudar a compreender experiências e influências sobre diversas percepções do menstruar, em seus aspectos políticos, estudos críticos, e arquétipos da ciclicidade menstrual. Além disso, as questões também abordam o tema sob critérios mais objetivos, como sintomas e fenômenos que ocorrem ou podem ocorrer em pessoas que menstruam, relações com as ciências e suas discussões.
Teste seus conhecimentos sobre todos esses temas!
1) Por muito tempo, a menstruação ficou restrita, na cultura, às temáticas ligadas à mulher ou, na medicina, às especialidades de ginecologia e obstetrícia. Em que década do século XX estão os principais marcos que permitiram à menstruação sair da clandestinidade e passar a ser debatida em sua seriedade e profundidade por diversas áreas do conhecimento?
2) O termo pessoas que menstruam ganhou atenção do público brasileiro em 2022, a partir da publicação de um artigo de opinião em um grande jornal. A ideia defendida no texto se chocou com a principal razão para o emprego do termo, que é:
3) Os arquétipos são padrões ou modelos que fazem parte das estruturas fundamentais do imaginário humano e social. Na ciclicidade feminina, é possível dividir o período em quatro principais arquétipos associados às fases do ciclo menstrual, criando compreensão entre os processos biológicos e as expressões psicológicas e energéticas. São eles:
4) Em 2008, as enxaquecas menstruais passaram a ser consideradas um distúrbio médico separado da enxaqueca comum no Brasil. Além disso, receberam um código CID-9 específico (346.4-346.43) porque:
5) A utilização do dispositivo intrauterino (DIU) remonta a 400 anos a.C., mas a história moderna conta que esse pequeno dispositivo contraceptivo foi criado em 1909 e se popularizou na segunda metade do século XX. Hoje, mais de 14% das mulheres em idade reprodutiva usam DIU ao redor do mundo. Em alguns países, a porcentagem de mulheres que usam o método é 2%, enquanto alguns atingem 40%. Qual destes países é o que mais utiliza DIU no mundo?
6) A oligomenorreia é uma menstruação pouco frequente – ou, no uso ocasional, muito leve. São períodos menstruais que ocorrem em intervalos superiores a 35 dias, definida como a ocorrência de menos de seis a oito menstruações por ano, com apenas quatro a nove períodos em um ano. Quais associações são passíveis dessa condição?
7) Qual desses conceitos não está diretamente relacionado a um marco da menstruação?
8) A ginecologia é uma área da medicina que envolve o cuidado e tratamento de doenças diretamente relacionadas com a saúde do aparelho reprodutor feminino (vagina, útero e ovários) e mamas. Em livro publicado em 2001, a cientista social Fabíola Rohden atribuiu o nome de “ciência da diferença” a essa especialidade médica. Porque?
9) Bárbara de Nicomédia foi uma virgem mártir do século III. Confirme as informações referentes a sua trajetória (c. 280 – c.317):
10) As células mesenquimais, conhecidas também como Células Estromais Mesenquimais do sangue menstrual (CSMs), são células-tronco somáticas que desempenham um papel crucial na manutenção e regeneração de tecidos no corpo. Sobre elas é possível afirmar que:
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Respostas
1 > C
Marcos importantes na trajetória da visibilidade acadêmica e cultural da menstruação incluem a criação da litografia Red Flag, que retratou uma mão removendo um absorvente interno. Lançada em 1971, a obra chocou pela exposição direta da realidade cotidiana da menstruação. Em 1977, um grupo de acadêmicas feministas de diversas áreas criou a Fundação da Sociedade pela Pesquisa do Ciclo Menstrual (Society for Menstrual Cycle Research – SMCR). Já no fim da década, em 1978, a ativista e escritora Gloria Steinem publicou o ensaio satírico If Men Could Menstruate[2] (“Se Homens Pudessem Menstruar”), criticando o sexismo nas percepções culturais sobre a menstruação. Essas são algumas das pedras fundamentais daquilo que, hoje, é chamado Estudos Críticos da Menstruação (Critical Menstruation Studies – CMS), que constituem uma linha multidimensional e transdisciplinar, com a menstruação como categorias centrais de análises de aspectos políticos, sociais, culturais, biomédicos e econômicos associados, questionando estigmas, estruturas de poder e exclusões históricas.
2 > B
A expressão “pessoas que menstruam” ganhou atenção em 2022, com a publicação de um artigo da filósofa Djamila Ribeiro na Folha de S.Paulo. No texto, Ribeiro alega que o termo “pessoas que menstruam” exclui a experiência concreta de mulheres. No entanto, o uso da linguagem inclusiva age para abarcar todas as experiências, deixando de excluir e invisibilizar pessoas que compartilham de uma determinada realidade concreta. Ao rejeitar o termo, Ribeiro tensiona sua própria teoria de lugar de fala rejeitando e deslegitimando pessoas transmasculinas, não binárias e intersexo na produção de suas próprias identidades e experiências.
3 > D
O ciclo menstrual pode ser compreendido não apenas de forma fisiológica, mas também de uma perspectiva psicológica, conforme a psicologia analítica de Jung, que associa suas fases a diferentes arquétipos femininos. Assim, a ciclicidade menstrual reflete um processo de autoconhecimento e individuação, onde as fases do ciclo estão conectadas às expressões energéticas e psicológicas da mulher: 1) a Donzela, correspondente à fase após a menstruação e antes da ovulação, que representa renovação, crescimento e potencial. 2) a Mãe, associada ao período ovulatório, quando há pico de fertilidade. O arquétipo da Mãe representa abundância, nutrição e capacidade de gerar vida. 3) a Feiticeira, na fase após a ovulação e antes da menstruação, período marcado pelo aumento da introspecção e intuição. E 4) a Anciã, durante o fluxo menstrual, período de renovação celular que simboliza a morte e renascimento do ciclo. A Anciã representa sabedoria profunda, conexão com o inconsciente e capacidade de se desprender do passado.
4 > A
Há dois tipos de enxaquecas menstruais: a verdadeira, que geralmente ocorre apenas durante o período menstrual e entre dois dias antes e três dias depois do início da menstruação; e a relacionada à menstruação, que pode ocorrer durante o período pré-menstrual. Ambas enxaquecas são sem aura – condição que afeta certas partes do cérebro, normalmente as partes que controlam a visão, mas também podem afetar as áreas de outros sentidos. O diagnóstico da enxaqueca menstrual é feito a partir do monitoramento, que ocorre desde o primeiro sintoma e pode se prolongar por pelo menos três meses. A causa exata não é conhecida, mas existe uma relação entre níveis decadentes do hormônio estrogênio e o início de um ataque de enxaqueca. Além disso, ela pode ter outras condições associadas.
5 > B
A distribuição das utilizadoras de DIU é geograficamente distorcida pelo mundo: mais de 80% vivem na Ásia, com quase dois terços (64%) delas a viverem na China – onde o DIU é o principal método contraceptivo, representando 54%, cinco vezes mais do que preservativos, segundo o Anuário Estatístico de Saúde e Planejamento Familiar da China de 2013. No Brasil a taxa é próxima a 3% (dado de 2017). Vários fatores contribuem para o uso do DIU, como política governamental de planejamento familiar, profissionais de saúde autorizados à inserirem e acompanharem seu uso, ambiente médico-legal, disponibilidade de treinamento, diferenças de custo e assim por diante.
6 > C
A combinação de alta carga de treinamento esportivo e ingestão calórica inadequada pode resultar em baixa disponibilidade de energia no corpo, podendo interferir na produção de estrogênio – hormônio crucial para a regulação do ciclo menstrual. Assim, atletas que competem em esportes que enfatizam a magreza ou um peso específico exibem uma taxa mais alta de disfunção menstrual do que atletas que competem em esportes que não possuem esse foco, como o futebol ou o basquete. Pessoas com SOP também são propensas a ter oligomenorreia, amenorreia ou períodos muito intensos e irregulares. A oligomenorreia pode ter consequências significativas para a saúde das atletas, sendo algumas: Diminuição da Densidade Óssea, Problemas Cardiovasculares, Impacto Psicológico, Infertilidade, Síndrome do Exercício Excessivo e Desregulação Hormonal.
7 > A
A amenorréia significa ausência de menstruação. Pode ser classificada em primária ou secundária. A amenorreia primária define a ausência de menarca e a amenorreia secundária se dá por falta de menstruação por 3 ciclos consecutivos ou 6 meses em mulheres que já apresentaram ciclo normal. Em mulheres com vida sexual ativa e em idade reprodutiva a causa mais comum de amenorreia (e de atraso menstrual) é a gravidez. Podem acontecer devido a várias causas, como por exemplo a utilização de fármacos, gravidez, stress, tumores no sistema nervoso central (ex. tumor hipersecretante prolactina). Também há a informação de que mulheres atletas tendem a ter amenorreia numa frequência maior do que mulheres que não praticam esportes. Menarca, menopausa e climatério são conceitos que tratam de períodos da vida em que marcam os períodos menstruais. Climatério pode ser entendido como sinônimo de menopausa, mas o primeiro conceito é mais abrangente.
8 > D
Segundo a autora Fabíola Rhoden, a elaboração deste campo teórico e prático foi feita a partir da percepção de diferença das mulheres e dos homens e não há uma ciência do homem, que tenha como ponto de partida as diferenças entre ele e a mulher. Segundo a antropóloga Daniela Mânica, em seu artigo “Estranhas entranhas” (2018), os principais objetivos da ginecologia “envolviam caracterizar a fisiologia reprodutiva feminina de modo a contribuir com argumentos socialmente legítimos, uma vez que eram chancelados como científicos, para tentar restringir as possibilidades de ação e circulação dos corpos femininos (brancos, evidentemente) à esfera do doméstico e da maternidade”.
9 > D
A túnica vermelha usada por Santa Bárbara também reforça a ideia do sangue, tanto de Cristo na cruz, como dos mártires, incluindo a própria santa. Na perspectiva do candomblé, o sangue em suas diferentes formas (sacrificial, humano, menstrual) circula entre o “povo de santo” em diferentes contextos (sagrados e profanos), tornando-se um símbolo-chave para esta religião de matriz africana, sendo associado à cura, à nutrição, à morte, à energia vital, à vida, à fertilidade, à impureza, ao castigo, ao vínculo sócio-religioso. Já no âmbito indígena, algumas etnografias também examinam concepções do sangue e suas ligações com a noção de pessoa. Entre uma diversidade de grupos culturais, o sangue é concebido como um fluido que corporifica e atribui gênero às pessoas, ao pensamento e à força, transportando conhecimento a todas as partes do corpo, operando tanto dentro do corpo de uma pessoa quanto fora dele. Para o grupo indígena airo-pai, o sangue é concebido como uma relação porque ele circula pelo corpo, pondo todas as suas partes em comunicação e enchendo-as de pensamento e força para a ação intencional. Entre os Kaxinawa, por exemplo, todas as partes do corpo são consideradas pensantes, já que todas recebem espíritos yuxin carregados no fluxo de sangue e na respiração, e moldados no corpo humano.
10 > D
Entre 2015 e 2022, a antropóloga Daniela Manica (Labjor/Unicamp) acompanhou o cotidiano da pesquisa sobre essas células. Essa investigação etnográfica realizada junto de cientistas do campo biomédico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observou que publicações em periódicos da área com as CeSaM representam apenas 0,25% dos artigos sobre células mesenquimais. Não existe nenhuma explicação técnico-científica para tal escolha. As autoras argumentam que a razão correlacionada é o fato desse tecido ser marcado por questões sociais e por um viés de gênero. A desconfiança com a viabilidade do desenvolvimento dessa tecnologia teria a ver com a possível limitação dela somente poder ser usada em corpos menstruantes. As CeSaM já foram tema de episódios de podcast de divulgação científica. No episódio Uma antropóloga na sala de cultura do Podcast Mundaréu, as CeSaM são descritas como uma abertura para fazer antropologia da ciência e feminismo acadêmico. Também no episódio no Estranha célula das entranhas do Podcast Oxigênio, Manica conta da sua pesquisa com as CeSaM, com foco na relação entre gênero, menstruação e ciência.
Laura Nice é mestranda em Divulgação Científica e Cultural (Labjor – Unicamp). Investiga as relações entre gênero e rede social, pelas lentes da análise de discursos digitais. Integra o grupo de pesquisa e-Urbano (LABEURB/NUDECRI). Especialista em Mídia, Informação e Cultura (CELACC/USP) e Bacharela em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia e Antropologia (IFCH/Unicamp).
Marcelo Rodrigues
Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025