Menstruar e Desmenstruar: dois abismos sociais

Por Katia Marchena

A verdade é que, quando chegamos à menopausa, todas nós já vivemos com muitas perdas; todas nós já fomos quebradas. Acumulamos muita dor. A menopausa é o momento de transformá-la. De parar de tentar nos costurar de volta ao mesmo padrão de sempre. De guardar aquela agulha de cerzir, embotada pelo nosso persistente e insistente trabalho de reparo. De entrar no cadinho e deixá-lo fazer o seu trabalho. Não podemos consertar tudo. Não podemos. E às vezes, não deveríamos.
Sharon Blackie, autora inglesa

Créditos: Luciana Bonafé, jornalista, menopausada /IA

A menstruação sempre foi uma incógnita masculina cercada pela curiosidade, pelo misticismo, pela iniciação, pelo erotismo e pelo poder. Sangrar por dias pela vagina e não morrer é algo que pertuba o imaginário masculino. O corpo que sangra sem sucumbir desafia uma lógica masculina baseada no controle e na força. Talvez por isso, a menstruação tenha sido renegada, silenciada, abrandada, ignorada. O desconhecimento em torno dela foi alimentado, cultivado, odiado, instrumentalizado para oprimir. O mistério do corpo feminino serviu e serve para subjugar. E se o sangue já era incômodo, a desmenstruação tornou-se o outro lado dessa invisibilidade. Porque o corpo que muda sem pedir licença é  uma ameaça ao autoritarismo capitalista e machista. 

Quando me vi em meio ao mestrado na Unicamp, na disciplina “Antropologia Social” ( ver introdução ), cujas professoras eram também ativistas feministas, pensei o ganho social e político que ganharia, mas quando ouvi que o curso teria como base os estudos sobre menstruação, confesso que me espantei pois, justamente, eu queria agora estudar sobre “desmenstruação “, ou para ser mais evidente: a menopausa. Fase pela qual estou passando e que, agora, começa a tomar evidências na imprensa, embora pouca ainda, e em discussões femininas, sim, femininas porque os homens ainda não falam sobre. Apesar de mais espaço na mídia e nas rodas de mulheres, o tema não é debatido o suficiente para sanar dúvidas, quebrar estereótipos, acabar com o preconceito social e extirpar medos, inseguranças e baixa estima das mulheres que estão nessa fase da vida ou ainda vão entrar.

 Desmenstruar não existe no dicionário. Tomo aqui a liberdade e a ousadia de criar a palavra: desmenstruar. Não se trata apenas de uma questão linguística, mas de um gesto político, simbólico e existencial. Uso os recursos da língua portuguesa, fértil e viva, para nomear um processo que, embora profundamente natural, ainda é atravessado por silêncios, tabus e preconceitos. Desmenstruar é mais do que cessar um ciclo biológico. É transitar. É deixar de sangrar para começar de um outro modo. Ao criar essa palavra, dou nome a uma experiência que muitas vivem, mas ainda poucas verbalizam. Porque nomear é também existir e resistir. “A língua é como um rio: não cabe num dicionário. Ela escorre, inventa margens, muda de leito.” Infelizmente não encontrei o autor dessa frase, mas tenho certeza que me permitiria usá-la. Se quando mocinhas menstruamos, porque ao chegar na menopausa, que é o fim dos ciclos menstruais, fim do número de óvulos que já nascemos com eles guardados dentro do nosso útero, não podemos desmenstruar? Sim, podemos!  Vou usá-la a partir do que me disse o linguista Marcos Bagno, em comunicação pessoal em maio de 2025, durante o desenvolvimento desse texto:

 “Os falantes, em suas interações, fazem mudanças na língua, ainda que não tenham consciência disso. É o uso que fazemos da língua que leva às mudanças. Já dissemos antes e repetimos agora: a língua é um fato biológico, sem dúvida nenhuma, mas só se realiza plenamente na interação social. É sempre melhor insistir no caráter social da linguagem.

Ao propor desmenstruar, inscrevo essa palavra no movimento natural da língua: moldada por vivências, por desconfortos, por resistências e pela necessidade de um novo substantivo ou verbo para o que começa a ser debatido por um novo prisma. E vou usar da gramática para provar que ela pode e será usada. A palavra desmenstruar é um neologismo, ou seja, uma palavra criada a partir dos elementos da própria língua. Usei o prefixo ‘des-‘, que em português tem origem no latim e costuma indicar negação, reversão ou fim de um processo. Vemos isso em palavras como desligar (interromper a ligação), desfazer (reverter o que foi feito) e desobedecer (agir contra uma ordem). Desmenstruar é o fim do ciclo menstrual como uma travessia simbólica, física e emocional. Criar essa palavra é também afirmar que a língua está viva e que pode (e deve) acolher experiências que ainda não tinham nome. Como diz bem, Fucks Catherine,

“não é a realidade que molda a linguagem, é a linguagem que continuamente nos ensina a ver e interpretar a realidade. Um texto necessário para quem quer pensar discurso com mais profundidade e menos automatismo. “

A paráfrase Linguística, 1985 – paginas 129 a 134

Desmenstruar: uma travessia difícil, mas vale a outra margem do rio

A menstruação e a desmenstruação foram interpretadas e ressignificadas pelos homens e pela medicina. Afinal, por muito tempo, apenas homens podiam estudar e exercer a medicina. Nos primórdios da ginecologia, a violência foi ainda mais explícita. Mulheres escravizadas em plantações de algodão nos Estados Unidos foram submetidas a cirurgias ginecológicas sem anestesia, sob o pretexto de curar fístulas. Seus nomes Anarcha, Lucy e Betsey quase não aparecem nos livros de história. Já o nome do torturador que realizou esses experimentos e que até hoje é cultuado na medicina como “descobridor” dos órgãos femininos permanece sendo proferido nas faculdades de medicina. Vou me privar de divulgar o nome desse que causou tanto sofrimentos às mulheres que eram cobaias nas suas experimentações em nome da ciência. 

Nessa lógica patriarcal, o corpo feminino era visto como um centro econômico e reprodutivo, e seus ovários e órgãos genitais passaram a ser considerados os regentes do cérebro da mulher. E foi a partir disso que comportamentos sexuais que fugiam do esperado foram patologizados. 

Anos depois, por volta de 1870, os médicos passaram a praticar a castração ovariana para “tratar” os mais diversos ”males” atribuídos às mulheres: apetite sexual, lesões, alterações de humor, afecções, odores ou qualquer comportamento considerado inadequado aos olhos do machismo. Mulheres foram submetidas a essas intervenções com o objetivo claro de controlar seus corpos e suas vontades e conter seus comportamentos que colocariam em “risco “ a família, a sociedade e a igreja.

A tese de Miguel Archanjo da Silva (1873) é explícita ao afirmar o real propósito desses procedimentos: “empregava-se a ovariotomia para coibir a sensualidade de certas mulheres debochadas” (p. 8). A citação está em O império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos, de Fabíola Rohden (2008), obra fundamental para compreender como o controle dos corpos femininos foi e segue sendo justificado pela ciência.

Esse processo trágico, causou inúmeras mortes pelas amputações ou por cirurgias mutiladoras. A medicina, historicamente, tratou a saúde da mulher de forma amputadora em todos os sentidos. E aqui, opto por não substituir a palavra “amputação”, para que possamos encarar de forma crua o que sempre nos foi feito: amputaram nossos direitos à liberdade, à sexualidade, à autonomia reprodutiva, à cidadania e à integridade física.

A amputação do clitóris, por exemplo, embora seja um crime que viole os direitos humanos, reconhecido assim por órgãos como Unicef, ONU OMS, segue sendo defendida como “prática cultural” em pleno século XXI e é a face mais brutal de um processo que começou muito antes e que, infelizmente, ainda não acabou. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 230 mulheres que estão vivas, foram submetidas a amputação clitoriana no mundo.

A fase da desmenstruação vem selar o que seria para os homens da medicina, daquela época e muitos ainda hoje, como uma fase que a mulher “enlouquece “. Os fogachos, a irritação, a falta de sono, o cansaço extremo, a falta de libido ou o excesso dela, falta de memória, mudança constante de humor são sintomas que aparecem de repente na vida da mulher causados pela falta do hormônio estrogênio e da progesterona. A menopausa, com tudo que ela traz, foi terreno fértil para consolidar o estereótipo da mulher instável, louca. Por volta de 1890, a histeria feminina já era um diagnóstico legitimado, e questões ginecológicas passaram a serem patologias. Comportamentos como desejo sexual em determinadas fases da vida eram suficientes para que mulheres fossem internadas em hospitais psiquiátricos e tratadas como loucas por não se encaixarem no modelo sexual da mulher bela, recatada e do lar.

Desafios e Percepções da Mulher na Menopausa

Quando pensei em escrever sobre o tema fui buscar o que há de novo sobre o assunto. Queria ter a voz das mulheres nesse artigo e iniciei uma pesquisa autônoma em formato de enquete. Movimentando minhas redes feminina e masculina em uma semana já tinha mais de 1045 amostras. Isso mostra o poder feminino de mobilização, além de um profundo desejo em falar sobre menopausa. Enquanto enviava o questionário, muitas mulheres me escreviam dizendo que gostariam de ler a matéria, saber o resultado da enquete e que adoraram poder falar sobre o momento que estavam passando. Era como se a pesquisa tivesse destravado dezenas de mulheres em busca de respostas e lugar de fala.

Entre os dias 30 de março a 6 de abril de 2025, a pesquisa intitulada “Desafios e Percepções da Mulher na Menopausa”, com 14 respostas sobre o tema, além de questões que traçaram o perfil sociodemográfico, além da pergunta se havia recebido um diagnóstico de menopausa e fazia uso de hormônios. 

Embora seja uma enquete, trata-se de uma amostragem significativa que lança luz sobre temas urgentes. Especialmente, o capítulo dedicado à percepção das mulheres sobre a questão da menopausa na mídia, questão central dos meus objetos de estudo. Mais do que números, os dados reunidos aqui oferecem pistas valiosas para aprofundarmos o debate sobre as vivências, os silêncios e as angústias que permeiam essa fase tão importante da vida de pessoas que deixam de menstruar.

Das 1046 respondentes entre 40 e acima de 60 anos, cerca de 45% foram mulheres pós-graduadas ou com mestrado ou doutorado, sendo que 35,2% tinham superior completo, 9,6% concluíram o ensino médio, 5,1% afirmaram não terem concluído o ensino superior e 5,3% afirmaram estar entre ensino fundamental a ensino médio incompleto.

A faixa de renda mostrou de 31,5% das pesquisadas têm ganhos entre 5 a 10 salários mínimos, 22,8% entre 3 a 5 salários,19,4 ganham mais de 10 salários, 18,4% declararam ganhar entre 1 a 3 salários e 7,9% ganham 1 salário mínimo. 

Das respondentes, 69,3% afirmaram terem recebido um diagnóstico de menopausa e 30,4% ainda não. Destas 79,9% disseram não fazer reposição hormonal, enquanto 22,1% disseram usar algum tipo de hormônio. 

O alto índice de respostas vindas de mulheres com nível de escolaridade superior e pós, graduadas, mestres e doutoras das participantes sugere uma maior concentração de respostas de um público com maior acesso à pesquisa, possivelmente devido à sua distribuição inicial entre redes de contato mais próximas. Embora essa amostragem não seja representativa de toda a população feminina, ela ainda oferece importantes insights sobre as percepções das mulheres na menopausa, especialmente em contextos urbanos e em faixas etárias e sociais e culturais. Ainda assim, a pesquisa mostrou que apesar dessas pessoas terem mais acesso a informação ainda estão presas a modos de comportamentos de preconceito, falta de informação e desconexão com o tema e com mulheres que estão no mesmo período hormonal. 

A seguir perpasso pelas perguntas de percepção e sentimentos

1 –   Como você se sentiu ao saber que estava entrando na menopausa?

A menopausa, embora natural e inevitável, ainda provoca um turbilhão de emoções nas mulheres e nem sempre positivas. Segundo os dados coletados com 971 participantes, o sentimento mais comum ao saber que estavam entrando na menopausa foi a indiferença (39,9%). Um número que pode parecer surpreendente à primeira vista, mas que talvez revele algo mais profundo: o silêncio histórico em torno do tema. Se não se fala, não se sente — ou não se permite sentir.

Na sequência, aparece a angústia (31,2%), indicando que, para uma em cada três mulheres, o processo ainda está cercado por medos, inseguranças e falta de preparo emocional. Medo e confiança dividem o terceiro lugar, com 12% e 10,4% das respostas, respectivamente, um reflexo claro da dualidade entre o tabu e o empoderamento que marca essa fase da vida. A felicidade, apesar de ser uma opção de resposta, foi citada por apenas 6,5% das respondentes.

Esses dados mostram que há muito a ser desmistificado. Ainda que uma parcela sinta-se segura ou até feliz com a nova fase, o peso emocional do tema ainda fala mais alto.

2 – A menopausa impactou sua vida sexual?

A sexualidade é um dos tópicos mais sensíveis e menos discutidos quando se fala em menopausa. Os dados revelam um cenário mais diverso (e menos pessimista) do que costumamos ouvir.

Mais de um terço das mulheres (39,1%) afirmam que não houve mudanças significativas em sua vida sexual. Outro terço (37,1%) relatou impacto negativo, o que confirma que os sintomas físicos e emocionais ainda interferem diretamente no prazer e na autoestima.

Mas vale destacar que 19,3% disseram que a mudança foi equilibrada, enquanto 4,4% relataram uma melhora na vida sexual. Isso mostra que, para algumas mulheres, a menopausa não significa fim, mas sim recomeço. Com mais liberdade, menos medo de engravidar e maior autoconhecimento, algumas descobrem um novo jeito de viver o desejo, ainda assim muitas esbarram nos efeitos como fogachos noturnos e insegurança com o corpo o que as impede de viver intensamente essa sexualidade que, nessa fase, poderia ser de melhor qualidade. 

3 – Como a menopausa afetou sua estima e imagem corporal? 

A menopausa não afeta apenas o corpo da mulher afeta a forma como ela se vê e se sente no mundo.  Uma parcela significativa (41,7%) admite que percebeu mudanças, mas aprendeu a lidar bem com elas. Ainda assim, quase 30% afirmam que se sentem menos confiantes com sua aparência, revelando que a autoestima ainda é impactada negativamente por pressões sociais e padrões estéticos que não consideram o envelhecer natural.

Por outro lado, 23,1% garantem que a menopausa não afetou sua autoestima, e 5,5% dizem se sentir melhor agora do que antes, uma vitória simbólica, ainda que para poucas,  sobre os estigmas do envelhecimento feminino.

A médica, Marisa Patriarca, ginecologista chefe do setor de climatério do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo afirma:  “Uma das coisas que deprimem as pacientes são as mudanças no corpo. A brasileira é mais vaidosa que as europeias, por exemplo. Em nosso país há o culto ao físico, a menopausada sente mais os efeitos das mudanças físicas que na menopausa acabam se acelerando.  Essa paciente acredita que os hormônios vão parar com os efeitos de acúmulo de gordura na barriga, mas não vão. Eles ajudam muito mas não trarão os 20 e 30 anos de volta. Então as pacientes se deprimem com o ganho de gordura e peso”. 

4  – Você sente que o seu bem-estar emocional foi impactado pela menopausa ?

Das entrevistadas, 46,6% das mulheres dizem sentir dificuldades emocionais, mas lidam razoavelmente bem com elas. Já 24,7% relatam muita dificuldade emocional, o que evidencia a urgência de olhar para essa fase com mais empatia, acolhimento e suporte psicológico. Apenas 28,7% afirmam que não tiveram impactos emocionais relevantes, reforçando que, para a maioria, a menopausa não é apenas uma questão física, mas também emocional e psicológica. Para a psicóloga de família, Patrícia Médici, a menopausa é uma condição multifatorial, ela afirma que existe uma relevância na queda hormonal às drásticas mudanças emocionais, mas garante que isso se apresenta diferentemente entre as mulheres daquelas que têm um tipo de qualidade de vida, de alimentação, de suplementação : “se essa pessoa carrega muitas frustrações, realizações e se ainda está projetando e planejando o futuro,  tudo isso reflete nas questões emocionais com mais ênfase e de forma muito individualizada na menopausa. “ A psicóloga ainda aconselha: “As mulheres no período da menopausa devem buscar objetivos estruturais a essa nova fase buscando o que de fato interessa para ela, já que, na maioria das vezes , ela priorizou a família. Esse período é de reflexão do que se conquistou, do que perdeu. Busque conhecimento e autoconhecimento  Faça atividades físicas, sobretudo que traga prazer. É essencial o equilíbrio entre o físico,o emocional e a espiritualidade .  Faça parte de grupos de apoio, se aproxime de pessoas e não se feche. Faça novos laços, novas conexões, porque neste período é também quando os filhos estão saindo de casa. A solitude é boa, a solidão, não!”

5 – Você sente que existe um preconceito social ou tabu em relação à menopausa?

Cerca de 25% das mulheres afirmam que o preconceito é forte e evidente, 39,2% dizem que o preconceito existe em alguns ambientes e somente 35,8% não sentem esse tipo de julgamento.

Ou seja, quase dois terços das mulheres percebem algum nível de tabu social em torno da menopausa, o que revela que esse tema ainda é tratado com desconforto, invisibilidade ou mesmo desprezo em determinados contextos sociais e profissionais.

6 – Você já foi julgada ou ouviu comentários negativos sobre a menopausa de outras mulheres?

O resultado revela dois dados impactantes sobre o julgamento e a vergonha que ainda cercam a menopausa. Quando perguntadas se já foram julgadas ou ouviram comentários negativos sobre a menopausa vindos de outras mulheres, 44,4% das respondentes afirmaram que isso aconteceu algumas vezes, e 20,7% relataram que ocorre frequentemente. Apenas 34,9% disseram nunca ter passado por isso. Esse dado reforça um paradoxo doloroso: o julgamento parte, muitas vezes, das próprias mulheres, alimentando um ciclo de silêncio e desconforto que atravessa gerações.

Vou dividir com as leitoras e leitores a minha experiência nesse quesito. Certa vez uma amiga, numa tentativa de me expor num grupo de amigos disse que eu estava na menopausa, num discurso que indicava que “estava ficando velha” e numa tentativa de me “diminuir”.  Sim, eu já tinha alguns sinais que estava desmenstruando e ela se valeu disso para tentar me constranger.  Estávamos num grupo de jornalistas que imediatamente se rebelou contra o discurso preconceituoso e etarista. Mas, muitas mulheres encontram hostilidades ou piadinhas que escondem o preconceito e transformam aquele momento em angústia e fechamento.  Naquela ocasião fiquei incomodada. Mas há tempos não me rendo mais a provocações vazias. 

7 – Você tem vergonha de falar que está na menopausa?

Os números são expressivos: 79,1% das mulheres afirmam não ter problema algum em falar sobre isso, o que sinaliza um avanço importante na quebra de tabus. No entanto, 10,9% admitem sentir vergonha dependendo do ambiente (especialmente na presença de homens), e 8% só se sentem à vontade para falar entre mulheres. Há ainda um pequeno, mas significativo grupo de 1,9% que sente vergonha sempre.

Essa combinação de respostas revela um dado essencial para entender a experiência da menopausa hoje: embora muitas mulheres estejam dispostas a falar abertamente sobre o assunto, o ambiente social e o medo de julgamentos, inclusive entre mulheres, ainda limitam essa expressão. A vergonha não nasce da menopausa em si, mas da forma como a sociedade encara o envelhecimento feminino: como um fim, e não como uma nova fase de potência e liberdade. 

É urgente romper esse silêncio. Falar sobre a menopausa com naturalidade é um ato de resistência, de acolhimento e de solidariedade entre mulheres. Quando uma mulher se cala, muitas permanecem isoladas em suas dores; quando uma fala, outras encontram força para se reconhecer e se expressar.

8 – Você já se sentiu excluída ou marginalizada devido à menopausa, em qual ambiente isso aconteceu? 

A grande maioria das respondentes 85,9% afirmou não ter se sentido excluída ou marginalizada por estar na menopausa. Esse número sugere que, para muitas mulheres, essa fase da vida não tem sido motivo direto de isolamento. No entanto, o dado não anula a dor das demais: 76 mulheres (7,8%) relataram já ter se sentido excluídas em ambientes sociais, como o trabalho, festas ou eventos. Esse número indica que, mesmo em uma sociedade que avança em termos de visibilidade feminina, a menopausa ainda pode ser vista como sinal de obsolescência ou inadequação especialmente em espaços onde juventude e performance são valorizadas.

Além disso, 28 mulheres (2,9%) apontaram a exclusão dentro da própria família, revelando o impacto que o preconceito pode ter nas relações mais íntimas. 15 mulheres (1,5%) citaram exclusão entre amigas, o que reforça o dado anterior de julgamentos vindos de outras mulheres. E 34 (3,5%) relataram sentir marginalização até mesmo no atendimento médico, onde deveriam encontrar acolhimento e orientação, não intimidação e exclusão. 

Ou seja, embora a maioria das mulheres não associe a menopausa a uma exclusão direta, aquelas que a vivenciaram em alguma esfera relatam situações que merecem atenção. O preconceito não é necessariamente explícito, mas pode estar embutido em olhares, comentários, silêncios e ausências nos ambientes sociais, nas famílias, nas amizades e nos próprios serviços de saúde.

Essa pergunta aponta para uma conclusão importante: incluir as mulheres na menopausa é criar ambientes em que elas sejam compreendidas, respeitadas e valorizadas.

9 – Você conversa sobre a menopausa com sua família?

Apesar de 44% das mulheres responderem que conversam com marido e companheiro, outras 34,6% afirmaram não conversar sobre o tema da menopausa com a família. 11,3% afirma falar com filhos e cerca de 10% com a mãe.  Apesar das respondentes falarem que assumem estar na menopausa e falam disso, nessa questão revela uma contradição.  As mudanças radicais pelas quais passam as mulheres na menopausa são sentidas por toda a família. Calores, cansaço, esquecimentos são novas sensações que a família precisa saber porquê acontecem assim podem colaborar para que a esposa e mãe tenha tranquilidade e compreensão nessa fase. 

10 – Você percebeu algo de positivo com a chegada da menopausa? 

Apesar de quase metade das pesquisadas, 46,5% ter dito que sentiram mais liberdade e menos preocupação com a menstruação, outras 44,1% disseram não ter visto nenhum benefício ou algo positivo até o momento. Cerca de 10% disseram que mais tempo e foco para os próprios interesses e cerca de 6% disseram que a menopausa lhes trouxe menos pressão para cumprir certos papéis como o de mãe e esposa. 

Algumas perguntas mostram que as muitas respondentes atravessaram momentos de otimismo e outras de realidade como essa.   Os sintomas trazidos pela menopausa levam peso à vida das mulheres, seja na área emocional ou física.  Pesquisar sobre o tema me abriu um portal de conexões com mulheres que também estão atravessando esse momento. Muitas se queixam da falta de memória. O que pra mim, sem dúvida, é o pior que me afeta. Me lembro que uma amiga me alertava que eu estava entrando na menopausa quando me queixei de alguns sintomas. Numa mesa de bar ela me disse “Amiga, esqueço de coisas básicas, estou com medo de ficar burra.“ Mais que um desabafo, aquela frase mostrava toda a angústia que não é só da minha grande amiga, mas de várias mulheres que me confessaram estar passando pelo mesmo problema. Senti naquelas falas o pavor e a sensação de ficar renegada a um papel que não nos cabia, na família onde sabíamos de tudo a tínhamos as respostas a cada “Manhê “, no trabalho onde minha geração começou a galgar postos de comando, na academia onde o raciocínio e a fluência verbal são imprescindíveis, na vida. 

 A apresentadora Fernanda Lima, disse no programa da TV Cultura, Provoca, que a menopausa “faz perder massa encefálica “, na verdade ela queria dizer que a queda nos hormônios pode reduzir o volume cerebral. É científico, a falta de hormônios na menopausa causa déficit cognitivo de forma episódica, fluência verbal, visual, concentração e velocidade de processamento em pelo menos 60% das mulheres como revelou o artigo “Declínio cognitivo e perimenopausa: revisão sistemática” que revisou cerca de 24 trabalhos, nos últimos 11 anos, a respeito do tema.  Com a manutenção da mulher por mais tempo no mercado de trabalho e em múltiplas tarefas familiares e sociais, o prejuízo dessa perda cognitiva é imensa, relatam as pesquisadoras Carolina Soares Barros de Melo,, Thaís Salles de Souza, Laura Inácio Teodoro, Sara Legramanti, Stéfanie Venturini Fanton, Sarah Rückl da  Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas), Belo Horizonte, MG, Brasil.

No entanto, os artigos não trazem uma solução mágica e, nem mesmo a reposição hormonal com estradiol, embora melhore a cognição, ainda não isenta a mulher na menopausa em ter gaps cerebrais em público o que causa constrangimento e dor.  A minha amiga tinha toda a razão em se angustiar. 

11 – Quais suas principais dúvidas quanto à menopausa? Marque até 3 respostas.

Cerca de 47,9% das escolhas foram sobre as mudanças no corpo e como lidar com isso. Outras 47,6% das escolhas foram dúvidas sobre doenças como câncer, osteoporose e cerca de 42% disseram ter dúvidas sobre reposição hormonal.  Percebe-se aí que há uma variação de opiniões médicas a respeito do uso do hormônio. 

Como jornalista sempre tive um senso crítico e, não poderia ser diferente, sobre como a imprensa cobre e trata assuntos de interesse público. Mas a desmenstruação parece não ter interesse público, exceto para o público que ela atinge: mulheres menopausadas. Errado. Esse assunto é de interesse de todos e deveria estar nas discussões , não apenas de revistas femininas, mas de mídias masculinas e em geral. Precisamos letrar os homens sobre esse período importante pela qual passa a parceira, colega de trabalho ou a mãe. Precisamos letrar profissionais da área da saúde e a sociedade em geral e fazer esse assunto ser pauta a fim de quebrar o silêncio e o silenciamento. Por isso, destinei algumas questões a percepção da mulher sobre a mídia e a menopausa.O resultado serve de alerta para nós jornalistas de como tratamos ou se nem mesmo colocamos o tema na agenda setting. 

12 – Como você percebe a abordagem da menopausa em espaços como a imprensa, publicidade e cultura?

As pesquisadas, 61,7%, foram categóricas: Falta informação na imprensa, 23,4% diz que o tema menopausa é tratado nas mídias como algo ruim, exagerado ou com preconceito. Enquanto, 14,9% acha que a menopausa é tratada de forma positiva e informativa. Aqui fica um alerta para a imprensa e não só a mídia especializada em medicina. É urgente levar ao debate público a questão da menopausa, como fez recentemente a apresentadora Fernanda Lima que teve milhares de visualizações quando assumiu que está na menopausa e que sofre com os sintomas. A imprensa teve papel fundamental na Argentina na aprovação do aborto em 2020. E temos que entender que algumas pautas dependem de jornalistas comprometidos com os fatos e a verdade. Recentemente, uma cena na novela “Vale tudo”, da TV Globo, mostrou uma mãe que entrou na justiça contra o pai que não pagava pensão alimentícia. No dia seguinte ao episódio, 270 mil ações eram pedidas na Defensoria Pública.  

13 – Onde você tem procurado informações sobre a menopausa?  

Com base nas respostas coletadas, observa-se que a principal fonte de informação sobre a menopausa tem sido o contato direto com profissionais da saúde: 63,7% das participantes disseram recorrer a médicas e médicos. Em seguida, as páginas médicas na internet aparecem com 39,6%, seguidas por amigas e familiares (30,2%), revelando a força da troca de experiências pessoais nesse contexto. Redes sociais de influenciadores (13,1%), podcasts (12,7%) e programas de TV (12,5%) também foram citados, embora em menor escala. Por outro lado, 3,4% afirmaram não ter procurado nenhuma informação sobre o tema, o que pode indicar desconhecimento, tabu ou desinteresse. Esses dados mostram um equilíbrio entre a busca por fontes profissionais e a valorização de espaços mais afetivos ou informais.

14 – Como a imprensa e a mídia podem contribuir para uma melhor compreensão da menopausa? 

A maioria das participantes acredita que a imprensa e a mídia podem contribuir significativamente para a compreensão da desmenstruação ao divulgar informações médicas e científicas de forma acessível  essa opção foi escolhida por 59% das respondentes. Em segundo lugar, 51,7% destacam a importância de combater mitos e desinformações, apontando uma demanda clara por conteúdos confiáveis e esclarecedores. Compartilhar histórias reais de mulheres (35,5%), criar campanhas educativas (41,4%) e falar mais sobre o tema nos veículos tradicionais (31,1%) também foram lembrados como caminhos relevantes. Os dados indicam que o público deseja uma abordagem mais ampla e humanizada, mas que seja fundamentada em conhecimento técnico e acessível, reforçando o papel da mídia como agente de educação e transformação social nesse tema ainda cercado de silêncio e preconceito.

Créditos: Luciana Bonafé, jornalista, menopausada /IA

Sangue e poder

“A menstruação une o pessoal e o político, o íntimo e o público, o fisiológico e o sociocultural.”

WINKLER, 2020, p.9

A menstruação passou a ser um debate político. Em 2022 foi promulgada  a Lei 14.214/2021, que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. A norma determina que estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias recebam, de forma gratuita, absorventes para sua higiene pessoal.Segundo dados da Unicef, 6 em cada 10 meninas no Brasil já deixaram de ir à aula por falta de absorvente e a falta de acesso a produtos de higiene menstrual atinge 37% das jovens. Esse projeto de lei foi fundamental para diminuir, minimamente a desigualdade, mas também foi essencial para colocar a pauta em discussão na sociedade e luz sobre uma carência que atravessou gerações. 

 A menstruação passou por uma ressignificância pelas feministas, pela mídia e por empresas que logo perceberam que o uso de termos como “poder“ eleva a possibilidade de vendas de seus produtos. Centenas de novos produtos como coletores, calcinhas descartáveis e aplicativos de controle de ciclos foram criados para uma geração que começou a ver a menstruação com menos dramas que as gerações anteriores. Por outro lado, os aplicativos também têm colocado, literalmente, nas mãos de pessoas que menstruam, aplicativos que são actantes, quer dizer, atores que participam e colaboram na constituição de outras formas de as mulheres, sobretudo aquelas da classe média, ressignificarem o ciclo menstrual e os seus próprios corpos, em um processo que tem sido chamado de “empoderamento”.  Tais processos foram descritos no trabalho “O sangue na rede mercado menstrual, menstruapps e tecnopolíticas de resistências”, da pesquisadora Larissa Pelúcio, professora da UNESP.

A menstruação saiu das confissões entre amigas. “Estou de chico“, expressão que encontrei elocubrações teria relação com chiqueiro, local onde vivem os porcos e adotou-se aqui no Brasil para designar que a mulher estaria menstruando e, portanto, estaria num período sujo, impróprio para relações sexuais. A hipótese que levanto, já que não encontrei base científica, é que o termo “chico” tenha surgido como um eufemismo, uma forma velada de falar da menstruação sem mencionar diretamente algo considerado “impróprio” para os bons costumes. Embora a menstruação ainda seja um processo natural cheia de disfarces no dia a dia das menstruantes passasse a falar mais dela e até a cultuá-la, afinal o sangue é poder: O sangramento é uma capacidade feminina de conhecimento, implicando consequências sociais das mais significativas, e pode ser visto como um poder feminino, ao invés de um índice da subordinação feminina.

 “Ao mesmo tempo, o conhecimento do sangramento não é conferido unicamente às mulheres, já que os homens também nascem do sangue vertido por elas e podem também sangrar e causar sangramento a si mesmos e a outros.”

Belaunde 2006, 226

Mas claro, não deve ser diferente. Não se trata aqui de criticar o empoderamento menstrual, ou disputá-lo, muito ao contrário, mas falar que a outra ponta desse processo biológico, o desmenstruar, também precisa entrar na pauta de empoderamento feminino. Unir as duas questões nas pautas feministas ainda que sejam polos fisiológicos. Eu sinto como se a menopausa fosse a prima pobre nas discussões feministas e a ela dão menos importância mesmo entre nós mulheres e isso, não é um achismo, é conhecimento de causa e de estudos depois dessa pesquisa que envolveu 1046 mulheres. Ouvi de muitas que, mesmo estando dentro da faixa etária da pesquisa, não responderiam porque não haviam entrado na Menopausa: graças a Deus. Pois eu afirmo, estou na menopausa, Graça à Deusa.  A opção contrária seria bem pior. 

Como ficam então as menopausadas nesse quadro feminino e social, uma vez que perdendo a frequência do sangue nosso de cada mês perdem também o poder estabelecido por essa realidade do poder feminino?  Quem poderá nos salvar? Certamente outras mulheres e homens que precisam participar da discussão em torno do tema, em torno da mesa. A mulher na menopausa se sente só. Imagina no tempo de nossas mães, quando o assunto seja menstrual ou desmenstrual era quase conversado aos cochichos na cozinha. 

Estimar o número exato de mulheres que entram na menopausa a cada ano no Brasil é um desafio. Estima-se que cerca de 20 milhões de mulheres brasileiras estejam no climatério ou menopausa, representando aproximadamente 18,5% da população feminina do país na faixa estária eletiva para a desmenstruação, segundo dados do censo do IBGE de 2022.

Sabemos que, em média, as brasileiras entram na menopausa aos 48 anos. Considerando a distribuição etária da população feminina, poderíamos fazer uma estimativa aproximada, mas sem dados específicos sobre o número de mulheres que atingem essa idade anualmente, qualquer número seria especulativo.

mulher brasileira entra na menopausa quando tem, em média, 43 anos de idade e o início da transição e a irregularidade menstrual começam aos 46 anos. Além disso, 73,1% delas sentem os sintomas climatérios (entre eles, as ondas de calor) no período entre a pré-menopausa e a menopausa e 78,4% na pós-menopausa. A conclusão é de um amplo estudo brasileiro que traçou o perfil da mulher brasileira na menopausa, publicado na revista científica Climateric.

A desmenstruação é apenas mais uma ferramenta do patriarcado que, atravessado e simbiótico ao capitalismo, coisifica a mulher.  Quando “novinhas” somos objeto de adoração e desejo colocadas em prateleiras com seus rótulos sexuais e com ampla demanda aos olhos e escolha dos machos. Quando desmenstruamos, o corpo que deixa de procriar é considerado inapto para o sexo e seguimos para as prateleiras rotuladas como velhas, “fora do uso“. Os homens e, muitas mulheres, nos dessexualizam. Sharon BlackieHagitude: Reimagining the Second Half of Life cita duas influências do século passado que ajudaram a difundir, não só a dessexualização como também a demonização, da mulher na menopausa, tanto na medicina também como na psicologia:

“É preciso encarar a verdade desagradável de que todas as mulheres na pós-menopausa são castradas”, declarou o ginecologista americano Robert Wilson em um ensaio de 1963 que mais tarde foi exaustivamente explorado esse tema em seu best-seller “Feminino para Sempre”, financiado por uma empresa farmacêutica que comercializava terapia de reposição hormonal. Assim como foi amplamente divulgado pela psicologia: “É um fato bem conhecido, e que tem dado muito o que reclamar, que depois que as mulheres perdem a função genital, seu caráter frequentemente sofre uma alteração peculiar, elas se tornam briguentas, vexatórias e autoritárias, mesquinhas e mesquinhas, ou seja, exibem traços tipicamente sádicos e anal-eróticos que não possuíam antes, durante seu período de feminilidade”, declarou Sigmund Freud em 1913.

Sim, nos dessexualizar é uma intensa campanha machista de séculos.  Basta ver em dezenas de páginas de redes sociais de mulheres acima dos 50 anos que malham e expõem seus corpos, as inúmeras mensagens de ódio de homens e de mulheres as chamando de velhas e ridículas por “se expor com aquela idade!“. Outro dia ouvi de uma amiga de 46 anos : “Acho ridículo essas velhas querendo ser mocinhas, usando roupa de novinha“. As velhas em questão era eu que estava vestindo uma blusa que mostrava uma faixa da minha barriga. Não muitos dias depois, duas amigas lamentavam não usar mais mini saia porque se sentiam ridículas e julgadas.  Parece que na idade madura temos que seguir um script de moda e conduta, o contrário “não pega bem para alguém da sua idade “. A propósito,

”A novinha é uma categoria popular atribuída a meninas, sejam elas crianças ou adolescentes que mistura marcos etários junto a percepção social do comportamento das jovens. O termo possui uma conotação sexualizada”, “Desejo e acusação: a “novinha” e a sexualidade feminina como fonte de tensão “, Fernandes Camila, 2023.

Os movimentos feministas seguem pressionando, leis são criadas para nos proteger, a educação sexual nas escolas colabora para letrar meninas sobre seus direitos desde cedo. Hoje, diferente de quando eu era criança, há mais de 40 anos, sabemos que um beijo forçado ou uma passada de mão nas nádegas é assédio. Sabemos porque fomos ensinadas. Porque o feminismo gritou por nós. Meninas de hoje crescem entendendo que não devem permitir determinadas violências e que devem denunciar. Isso é uma conquista coletiva.

Mas, apesar dos avanços, o corpo da mulher ainda é tratado como “uma terra sem lei, um túmulo sem lápide“ como vi escrito numa postagem que viralizou após o relato da influenciadora Carolina Loback. Ela contou que, ao encontrar uma professora no elevador, ouviu sem cerimônia: “Você engordou, né, Carolina?”. A frase, dita como quem comenta o tempo, escancara o que tantas mulheres sabem: a gordura não é permitida. O envelhecimento tampouco.

Thomas Laqueur, em “Inventando o sexo: corpo e diferença sexual“, 1990, explica bem esse fenômeno ao falar sobre a teoria das diferenças não era de natureza mas de grau. Claramente, as mulheres eram de grau inferior. A natureza perfeita era a masculina. Dizer que os corpos masculinos eram diferentes foi fundamental, na Europa, para diferenciar homens e mulheres no mercado de trabalho e nos colocar num lugar da mulher enquanto reprodutora e cuidadora na sociedade. 

A desmenstruação ou a menopausa acelera o processo de envelhecimento. A pele perde a elasticidade, o cabelo perde o brilho, perdemos lubrificação vaginal e ganhamos peso, gordura abdominal, insônia e algumas, falta de libido.  Ah, e ganhamos uma conta bancária menos polpuda porque os hormônios são caros, as vitaminas, as terapias. Como tudo, também a menopausa ganha espaço no capitalismo com centenas de produtos que prometem trazer de volta algo que não teremos mais: a juventude. Parece um quadro aterrorizador demais para alguém. E é.

Após meses falando com médicas, psicólogas, feministas, mulheres o climatério e pós menopausa e olhando pra dentro da minha experiência penso que há dois caminhos a seguir: o social, temos que continuar atuando para dar vozes às mulheres nessa fase e transformar o olhar da sociedade para essa mulher; e o interno. emos que nos reapaixonar de novo pelo nosso corpo que não menstrua, ainda que a sociedade acredite ser um caminho contrário, uma vez que o apelo é por corpos tonificados, dentro do peso estabelecido com ideal e sobretudo jovem e reprodutor.

A menopausa também é um processo da perda do empoderamento?  Reverter esse conceito é um árduo trabalho social e psicológico. Eu que comecei esse texto falando sobre desmenstruar que é o momento que vivo, passei por tanto conhecimento conversando com mulheres, médicas e antropólogas que trouxeram o olhar social para a questão, embora ela seja em primeiro plano, fisiológica. E posso afirmar, pedindo licença para reproduzir o termo que a pesquisadora Janaina Morais usou na sua tese de doutorado ”não me sinto mais estrangeira de mim mesma”.

Pouco se avançou nos estudos da menopausa. Temos que falar mais, pressionar mais para que os sintomas que afetam hoje cerca de 30 milhões de mulheres no Brasil sejam atenuados ou extintos. Também precisamos trazer os homens para essa discussão, porque a menopausa está inserida na vida deles. Pais, filhos, irmãos, companheiros, colegas de trabalho convivem com essa mulher menopausada e precisam ter um olhar acolhedor ou, no mínimo, de entendimento. A ignorância em nada os ajuda e, uma vez que as mulheres lideram seus lares, e escalam todos os dias lideranças nas empresas, precisam saber que podem sim, se afastar um pouco da mesa ou da linha de produção durante um fogacho.  Já as mulheres precisam ter mais acesso à informação segura, profissional e sobre reposição hormonal, seja ela medicamentosa ou natural. A imprensa, da qual faço parte, tem o papel essencial de cruzar todos os setores que trazem notícias verificadas, de qualidade e desmistificar que a menopausa é antes de tudo, um ato de envelhecimento feminino. Assim como no caleidoscópio criado pela pesquisadora Clarissa Reche, com papéis embebidos do seu próprio sangue menstrual, que ao olhar eu vi flores, outras pessoas possam ver, outras viram papéis sujos de sangue, assim temos que olhar a menopausa. Com opções de possibilidades às vidas das mulheres. Não se trata de romantizar a questão que nos traz ainda muitas dores e é disso que a minha pesquisa revelou, mas principalmente da solidão e das dores físicas, mas se mudarmos o conceito dessa fase biológica na sociedade ela pode vir mais leve às mulheres que já cumpriram seus papéis ovulatórios.

Créditos: Clarissa Reche
Créditos: Clarissa Reche

A menopausa é uma fase, não um fim. Quando a mulher deixa de ovular e, portanto, de reproduzir biologicamente, ela não perde poder: ela ganha. Depois de anos dedicados ao trabalho, aos filhos, aos estudos, à manutenção da vida familiar, essa mulher finalmente conquista a liberdade de não se preocupar mais com cólicas, sangramentos ou controle de natalidade.  Uma fase de travessia onde do outro lado, estaremos forjadas com mais força, sabedoria e com novas atitudes a partir do autoconhecimento que a desmenstruação, acima de tudo nos proporciona. Como escreve Daniela Manica, trata-se de:

 “…um reencantamento do corpo, objetificado pela tecnociência, um resgate do seu valor generativo, da potência criativa que é/pode ser o útero; e a insistência na atribuição de mais valor às experiências, múltiplas e complexas, da maternagem e do cultivo da vida (…), mas que seja um movimento que não aprisione esses corpos na obrigatoriedade compulsória da gestação e da maternidade (…) e que, portanto, reconheça mulheres e demais minorias em sua plena humanidade, o que envolve o direito de decidir se, quando e como gerar, parir e amamentar. Envolve o direito básico de existir.”
Daniela Manica, em “Estranhas Entranhas: de Antropologias e Úteros”

Assim, é preciso olhar para a desmenstruação não como uma ausência, mas como um novo tipo de presença. Uma presença madura, inteira, potente. É uma liberdade que vem do corpo e ressoa na alma. Um convite a se reconectar com o próprio ritmo, a reivindicar o tempo e o espaço que, por tanto tempo, foram doados.

E liberdade, companheiras, é o maior dos poderes.

Katia Marchena, jornalista com 30 anos de carreira, pós-graduada em Sociologia, Política e Mídia, Pela Fundação Escola de Sociologia de Política do Estado De São Paulo ( FESPSP), pesquisadora sobre o papel da imprensa em coberturas jornalísticas de repercussão, mestranda em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025