“Ninguém nasce mulher, torna-se.” A célebre frase de Simone Bevouir de sua obra mais conhecida, O Segundo Sexo, ainda ecoa na pauta quando dicutimos o ser mulher na contemporaniedade. Apesar de todos os avanços das últimas décadas, continuamos navegando entre conquistas e obstáculos, entre o que desejamos e o que nos é permitido desejar. Em contribuição, bell hooks já dizia sobre a perpsectiva do protagonismo e desejos do corpo feminino negro mediante aos atravessamentos entre cor, raça e gênero. “Eu não sou uma mulher?” nos convida a refletir sobre a liberdade feminina latente, sendo analisada no Brasil por pensadoras como Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro.
O que querem as mulheres, quando não há censura, julgamento ou a necessidade de agradar? Em busca de respostas perspectivas , conversei com 172 mulheres brasileiras de 25 a 73 anos para entender quanto às suas experiências mais íntimas.
O que elas relataram revela um retrato complexo: somos uma geração de transição que caminha em dualidade: herdemos espaços de liberdade impensáveis para nossas avós, mas ainda enfrentamos a crescente da taxa de feminicidio no país, que bateu recorde em 2024. Entre caminhos e descobertas, o desejo é um ato de erguer a voz, acima silenciamento do debate nas nossas mesas de espaço comum.
A educação sexual que não tivemos
“Algumas perguntas foram difíceis de responder porque eu tenho libido, mas no momento estou sozinha e há mais de 1 ano sem relação sexual. Tenho 53 anos e só comecei a me masturbar há poucos meses, e a usar vibrador”, revela uma participante, mostrando como a autodescoberta pode acontecer em qualquer idade.
Os dados sobre masturbação revelam avanços significativos na autonomia sexual feminina: 86% (n=149) das participantes relatam se masturbar, com 65% (n=110) praticando regularmente (frequência semanal ou superior).
Contudo, persiste um indicador preocupante: 32% (n=57) das mulheres ainda experimentam algum grau de culpa, desconforto ou indiferença associados à masturbação. Este percentual sugere a permanência de construções socioculturais que patologizam ou estigmatizam o prazer sexual feminino autônomo.
“No outro extremo temos mulheres achando normal serem tratadas como objeto sexual e homens aprendendo a odiar mulheres na internet”
Quando o desejo fala por si
“Algumas perguntas foram difíceis de responder porque eu tenho libido, mas no momento estou sozinha e há mais de 1 ano sem relação sexual. Tenho 53 anos e só comecei a me masturbar há poucos meses, e a usar vibrador”, revela uma participante, mostrando como a autodescoberta pode acontecer em qualquer idade.
Os dados sobre masturbação revelam avanços significativos na autonomia sexual feminina: 86% (n=149) das participantes relatam se masturbar, com 65% (n=110) praticando regularmente (frequência semanal ou superior).
Contudo, persiste um indicador preocupante: 32% (n=57) das mulheres ainda experimentam algum grau de culpa, desconforto ou indiferença associados à masturbação. Este percentual sugere a permanência de construções socioculturais que patologizam ou estigmatizam o prazer sexual feminino autônomo.
32% das mulheres relataram culpa, desconforto ou indirença ao se masturbar
“A mulher precisa deixar claro ao parceiro os pontos do seu corpo, o que mais dá prazer. Mentir nunca sobre o orgasmo”, aconselha uma participante de 58 anos, evidenciando a importância da comunicação honesta sobre o prazer.
Quando o desejo fala por si
“Percebi o quanto sou sexualizada. É como se não houvesse mais possibilidades de afeto quando o sexo é ‘tirado de campo’. Hoje eu penso que o desejo não é algo que tem idade”, reflete uma mulher de 27 anos, tocando em questões profundas sobre sexualização e etarismo.
A distribuição do desejo sexual atual apresenta uma curva normal, com concentração nas categorias intermediárias: 48% (n=81) relatam desejo médio, 27% (n=46) desejo alto, e 10% (n=17) muito alto. Apenas 15% (n=25) das participantes classificam seu desejo como baixo ou inexistente.
“Conhecer meu ciclo hormonal tem sido essencial. Sinto tesão mas isso não necessariamente se converte em sexo e está ótimo pra mim. Busco me preservar”, compartilha uma mãe de 30 anos, mostrando como o autoconhecimento pode redefinir nossa relação com o desejo.
A análise por faixa etária revela diferenças estatisticamente significativas: mulheres entre 45-55 anos apresentam maior incidência de redução do desejo associada a fatores hormonais (menopausa), estresse e sobrecarga cognitiva. Esta correlação sugere que o desejo sexual feminino é multifatorial, sendo influenciado por variáveis biológicas, psicológicas e sociais de forma integrada.
“A menopausa é um estado de espírito, o desejo vai diminuindo com o tempo e com os contratempos, mas carinho e delicadezas suprem muitas coisas do sexo!!”, conta uma participante de 64 anos, mostrando como a intimidade pode se reinventar.
O que realmente importa para o prazer
“O autoconhecimento […]abrange várias percepções em relação a si, e isso inclui a sexualidade, conhecer o próprio corpo, onde te incomoda, onde te dá prazer, isso traz benefícios importantes para ter uma relação com outra pessoa”, resume uma participante de 30 anos, casada.
A análise dos fatores determinantes da satisfação sexual revela um padrão que contrasta com representações hegemônicas da sexualidade. O vínculo emocional emerge como fator preponderante, citado por 72% (n=122) das participantes, seguido pela sensação de segurança com 55% (n=93) e pelo autoconhecimento/comunicação eficaz com 44% (n=74).
Estes dados sugerem que a satisfação sexual feminina está mais associada a componentes relacionais e psicológicos do que a aspectos puramente físicos ou performativos, contrastando com modelos de sexualidade centrados na genitalidade ou na performance sexual.
“Acho que a diversidade de parceiros nos torna vulneráveis (não é um questão moral). Mais consciente dos meus limites. Sei o valor de dizer não”, acrescenta uma mãe solo de 30 anos, mostrando como limites claros são fundamentais para uma sexualidade saudável.
“ Mais consciente dos meus limites. Sei o valor de dizer não”
Os obstáculos que ainda enfrentamos
“Sou alguém com vaginismo e no espectro assex e neurodivergente… acho que o questionário poderia abarcar questões de sensibilidade que impedem o prazer sexual completo”, aponta uma participante de 29 anos, lembrando que as experiências de prazer são muito diversas.
A identificação das principais barreiras à vivência sexual plena revela um conjunto de fatores estruturais e subjetivos:
“Na verdade não é que eu não sinta mais prazer, meu marido se afastou de mim… Me sinto muito carente às vezes pois tenho um homem sob o mesmo teto porém zero contato físico”, desabafa uma mulher de 53 anos, mostrando como questões relacionais impactam profundamente a sexualidade.
A menopausa: fim do prazer ou recomeço?
“Minha vida sexual foi baseada em baixa autoestima, insegurança, abuso. Na fase atual, por motivo da menopausa, sinto muita dor na penetração. Desenvolvi uma forma de intimidade com o meu marido satisfatória, momentos de intimidade para orgasmo somente dele. Para mim essa saída foi a melhor opção”, compartilha uma participante de 56 anos.
Este foi um dos temas mais tocantes da pesquisa. As mulheres na faixa dos 45-55 anos trouxeram relatos que misturam dor, descoberta e reinvenção.
“Estou na menopausa há 1 ano”, conta uma mulher de 50 anos, enquanto outra de 54 observa: “Em se tratando de menopausa, na questão H3 acho que faltou opções como sintomas da menopausa, ressecamento e atrofia vaginal que impactam demais as relações sexuais!”
“Pós-menopausa sem reposição hormonal por escolha da minha médica, a falta de lubrificação vaginal mesmo com uso contínuo de hidratantes, torna a relação sexual dolorosa, e isso tem sido o principal fator de fuga do sexo com meu marido”, revela uma participante de 57 anos, mostrando como questões médicas podem impactar significativamente a vida sexual.
“Mulheres que tiveram câncer e não têm a opção de reposição hormonal podem ‘sofrer’ mais com essa questão e, desta forma, devem dialogar de forma transparente com seus parceiros, assim como buscar técnicas/ajuda”, aconselha uma participante de 53 anos, evidenciando a necessidade de apoio especializado.
Caminhos para a educação sexual
“Eu indicaria falar sobre métodos naturais, pois contraceptivos fazem mal à saúde feminina… Também indicaria fortemente o desuso de pornografia ”, sugere uma jovem de 27 anos, mostrando preocupação com abordagens mais naturais e conscientes.
“A mídia precisa falar sobre sexualidade feminina sem o prisma do patriarcado”, demanda uma participante de 55 anos, evidenciando a necessidade de novas narrativas sobre a sexualidade feminina.
“A mídia precisa falar sobre sexualidade feminina sem o prisma do patriarcado”
“Sexo deve ser tratado como algo falado com naturalidade e como algo bom”, resume uma mulher de 53 anos, enquanto outra acrescenta: “Parabéns pela pesquisa. Precisamos cada vez mais abordar esse assunto, pois conhecimento é poder.”
Vozes de transformação
“Temos que nos conhecer mais e não ligar para opiniões dos outros”, aconselha uma participante de 55 anos. “Gostei muito de refletir sobre essas questões! Parabéns pela iniciativa!”, comenta uma outra participante da mesma idade, mostrando como o movimento de empoderamento feminino é latente mediante ao debate sobre sexualidade, poder e escolha.
“[…] me fez pensar em coisas que eu nunca tinha parado para refletir”, confessa outra participante. “É importante falar sobre isso, quebrar o silêncio.”
O que aprendemos (e o que ainda precisamos aprender)
Estamos falando mais sobre prazer, masturbação e satisfação sexual, mas ainda carregamos culpas historicamente impostas, enfrentamos pressões estéticas absurdas com a publicidade, propaganda e “trends” nas redes sociais.
Talvez a conclusão mais importante seja : não existe uma sexualidade feminina única. Existem sexualidades, no plural, tão diversas quanto somos. E cada uma de nós tem o direito de descobrir, experimentar e redefinir a sua, quantas vezes for necessário, em qualquer idade.
“As pessoas acham que, quando a gente envelhece, tem que ficar em casa cuidando de neto, indo ao mercado ou fazendo comida. Mas a gente sai, dança, transa, namora, paquera, está no Tinder e vive a vida. O mundo está cheio de corpos reais. Mulheres gordas, magras, com peito ou sem peito, com marcas da idade – e esses corpos também são sensuais. A idade me trouxe liberdade: não preciso agradar ninguém, coloco a mim em primeiro lugar.” completa Bianca Branco, artista e autora da série Peladinhas, que acompanha esta reportagem.
O desejo feminino não tem prazo de validade. A sexualidade não é performance. E o prazer – ah, o prazer – é nosso por direito, não por concessão.
*Este artigo é baseado em pesquisa quantitativa realizada com 172 mulheres brasileiras com respondentes de 25 a 73 anos – tendo mais ênfase entre as faixas de 25 a 35 e 45 a 55 anos. As entrevistas foram feitas em maio de 2025 a partir de um formulário digital com 37 perguntas com referência ao Relatório Hite, estudo criado por Shere Hite sobre sexualidade feminina e masculina, na década de 70, nos Estados Unidos. Todas as participantes autorizaram o uso de seus relatos para fins educativos. Os nomes foram ocultados para preservar a privacidade das entrevistadas.
REFERÊNCIAS:
BEAUVOIR, S. DE. O Segundo Sexo. 1989a edição ed. [s.l.] Nova Fronteira, 2012.
FOLHA DE S.PAULO. Não dá para falar de feminismo sem a mulher negra, diz Sueli Carneiro.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iO_rC2lpONI>. Acesso em: 20 ago. 2025.
FOLHA DE S.PAULO;CUSTODIO, Tulio. Livro humaniza Beatriz Nascimento, historiadora vítima de um feminicídio. Portal Geledes. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/livro-humaniza-beatriz-nascimento-historiadora-vitima-de-um-feminicidio/>.
HOOKS, BELL; BHUVI, L. E eu não sou uma mulher?: Mulheres negras e feminismo. 9a edição ed. [s.l.] Rosa dos Tempos, 2019.
LÉLIA GONZALEZ; RIOS, F.; MÁRCIA LIMA. Por um feminismo afro-latino-americano : ensaios, intervenções e diálogos. Editorial: Rio De Janeiro: Zahar, 2020.
SENADO FEDERAL. Mulheres na menopausa: invisibilidade deixa tratamento fora da agenda pública. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2024/11/mulheres-na-menopausa-invisibilidade-deixa-tratamento-fora-da-agenda-publica>.
Talita Azevedo é pesquisadora, empresária e multiartista, fundadora da startup oná, com atuação em tecnologia, memória e inovação. Embaixadora do Web Summit no Brasil, desenvolve projetos de inteligência regional e cultura, e é autora de um banco de dados sobre lugares de relevância afro-diaspórica.
Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025
ISBN 978-65-01-64193-5