O uso da cannabis na ginecologia e na saúde sexual feminina vem ganhando cada vez mais espaço dentro da comunidade científica. Se antes seu uso era restrito aos saberes populares, hoje é alvo de pesquisas em universidades renomadas e de aplicação clínica no tratamento de diversas condições que afetam a saúde da mulher. Curiosamente, são as plantas fêmeas da Cannabis que carregam o poder terapêutico presentes nos compostos químicos que as compõe.
A ciência moderna tem se debruçado sobre os potenciais terapêuticos dessa planta milenar, cujos registros de uso medicinal datam de mais de cinco mil anos. As mulheres, chamada de curandeiras, feiticeiras e bruxas, cultivavam e usavam a cannabis, como qualquer outra erva medicinal, nas receitas dos remédios que elas preparavam, pois sabiam empiricamente do efeito relaxante, sedativo, anti-inflamatório e também como estimulante sexual.
Ainda no Egito, o papiro Ebers, celebrado como o periódico médico completo mais antigo já descoberto, datando de cerca de 1.500 ac., aponta uma formulação medicinal onde a Shemshemet (cannabis) deve ser triturada em mel, antes de ser aplicada dentro da vagina para resfriar o útero e eliminar seu calor. As propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes bem documentadas da cannabis, provavelmente, desempenharam um papel neste tratamento (mais informações nesse link – Cannabis Culture.
Até o século XIX era comum o uso da erva orientado por médicos para diversos tratamentos ginecológicos e também na obstetrícia. Porém, com a proibição da planta, os conhecimentos e as práticas medicinais foram se perdendo e foi somente no final do século XX que os estudos e as pesquisas sobre a cannabis foram retomados, principalmente para o universo da saúde da mulher.
“Recentemente, em meados de 2024, foi identificado que o ciclo menstrual promove alterações cerebrais, algo tão significativo na existência feminina que só agora começa a ser compreendido. Esse é um excelente exemplo de como a saúde e a ciência ainda permanecem centradas na perspectiva masculina, mesmo sendo nós as grandes geradoras da vida humana. Assim, a passos lentos, a ciência que envolve a planta e a existência da mulher avança”, explica a Pesquisadora Científica e Antropóloga na área de comportamento humano e cannabis, Carolina Jácomo.
Para a cientista, o número de pesquisas relacionadas à cannabis e à saúde da mulher intensificou-se especialmente entre 2016 e 2023, por alguns motivos chave:
Foco em recortes de gênero na medicina:
– A ciência médica começou a reconhecer que muitas pesquisas anteriores negligenciavam as especificidades biológicas e hormonais femininas.
– A saúde da mulher passou a ser tratada como um campo prioritário para estudos mais profundos e personalizados.
Popularização do uso medicinal da cannabis entre mulheres:
– Muitas relataram usar cannabis para aliviar sintomas como cólicas menstruais, endometriose, ansiedade, insônia, dores crônicas e sintomas da menopausa. Despertando o interesse da comunidade científica em investigar esses usos.
Avanço das pesquisas sobre o sistema endocanabinoide:
– Descobriu-se que o sistema endocanabinóide está profundamente envolvido na regulação hormonal, reprodutiva e emocional, áreas centrais da saúde feminina.
As mulheres usam mais cannabis que os homens
Segundo o Anuário da Cannabis Medicinal de 2024 produzido pela Kaya Mind, empresa especiallizada em pesquisa de dados sobre Cannabis no Brasil, 53% das pessoas que fazem uso medicinal da planta são do sexo feminino, enquanto 47% são do sexo masculino.
Para Maria Eugênia Riscala, fundadora da Kaya Mind, há algumas explicações. “As mulheres são responsáveis pelos principais gastos relacionados a bem estar, saúde e cuidado, inclusive da família como um todo. Além disso, elas são mais propensas a algumas condições médicas que a Cannabis ajuda muito, como é o caso da enxaqueca, da fibromialgia e claro, endometriose. Por fim, estudos verificam que as mulheres são mais abertas a novas terapias “, pontua Maria Eugênia.
Esse dado que revela as mulheres como as maiores usuárias medicinais da planta comprova a necessidade de se fazer pesquisa com foco no recorte de gênero.
Falta inclusão equitativa de machos e fêmeas nas pesquisas científicas
“Estudos que não levam em conta o sexo dos indivíduos podem resultar em uma compreensão inadequada da fisiopatologia das doenças e em tratamentos menos eficazes”, defende Paloma Molina Hernandes, pesquisadora do Laboratório de Farmacologia do Comportamento na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
Paloma ressalta que, apesar dos avanços, a desigualdade de gênero na pesquisa biomédica ainda é uma realidade. Uma revisão publicada em 2016, que analisou 57 ensaios clínicos randomizados, revelou que apenas 39% incluíram homens e mulheres em proporções equilibradas e, entre esses, somente 20% investigaram diferenças relacionadas ao sexo.
Essa omissão pode ter consequências diretas na segurança dos medicamentos, já que estudos mostram que mulheres apresentam maior risco de sofrer reações adversas a fármacos já aprovados.
O National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, estabeleceu em 2014 uma política que exige a inclusão equitativa de machos e fêmeas em pesquisas pré-clínicas, como forma de enfrentamento ao problema. Essa diretriz vem sendo gradualmente incorporada em outros países, inclusive no Brasil, explica.
A conexão da planta com o corpo da mulher através do Sistema Endocanabinóide
Desde os anos 1990, com a descoberta do Sistema Endocanabinóide (SEC) pelo químico israelense, Raphael Mechoulam, a Cannabis voltou a ser objeto de intensa investigação científica.
O SEC é uma complexa rede de sinalização presente em todo o organismo humano, especialmente no sistema nervoso, imunológico e reprodutivo e é composto por receptores canabinóides, ligantes endógenos (endocanabinóides) e enzimas responsáveis pela biossíntese e degradação desses compostos. Ele tem papel fundamental na manutenção da homeostase, ou seja, do equilíbrio fisiológico.
Os receptores desse sistema, chamados de CB1 e CB2, são ativados por moléculas produzidas naturalmente pelo nosso corpo, os endocanabinoides, mas também pelos fitocanabinoides presentes na planta, como o THC e o CBD, além de outras moléculas.
Relação análoga das molécula
Endocanabinóide | Fitocanabinóide |
Anandamida | THC |
2-AG | CBD |
“Os receptores CB1 são altamente expressos no sistema nervoso central (SNC), especialmente em regiões-chave envolvidas na modulação da nocicepção, memória, controle do apetite e regulação do humor, como o hipocampo, córtex cerebral, gânglios da base e cerebelo. A ativação desses receptores influencia a liberação de neurotransmissores excitatórios e inibitórios, modulando a neurotransmissão e contribuindo para os efeitos neurofisiológicos observados com o uso de canabinóides.Os receptores CB2, por sua vez, são predominantemente encontrados em células do sistema imunológico, incluindo células B, macrófagos e micróglia. A ativação dos receptores CB2 desempenha um papel crucial na modulação de respostas inflamatórias e imunológicas, através da regulação da liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios, sendo um alvo terapêutico promissor para condições inflamatórias e autoimunes”, artigo publicado na WeCann Endocannabinoid Global Academy
Estudos mostram que os receptores canabinóides CB1 e CB2, que são ativados tanto pelos endocannabinóides, como pelos fitocanabinóides, estão distribuídos nas membranas celulares dos órgãos reprodutivos femininos (ovários, trompas e útero), o que explica o impacto positivo da cannabis no tratamento de diversas condições ginecológicas.
“A presença do Sistema Endocannabinóide (SEC) de forma ampla em nosso corpo acaba influenciando diversas condições como percepção da dor, contração uterina, das tubas, o ciclo menstrual. Além disso, o SEC interfere no nosso humor e na regulação do sono. Se pensarmos que as mulheres atravessam oscilações hormonais ao longo dos meses que nos colocam em contato com esses sintomas, como dor, ansiedade, insônia, cansaço, alteração de humor e que regular esse sistema ajuda na melhoria desses sintomas, temos um benefício direto ao usar a planta como alternativa terapêutica”, explica Dra Mariane Ventura, médica de família especializada em fitoterapia em ênfase em Cannabis.
Um artigo publicado na revista científica PubMed com título “O papel do sistema endocanabinoide nos tecidos reprodutivos femininos”, pontua o impacto do SEC no sistema reprodutivo feminino.
“Embora o SEC seja conhecido por modular a dor e o neurodesenvolvimento, também é conhecido por impactar o sistema reprodutivo feminino, onde afeta a foliculogênese, a maturação do ovócito e a secreção endócrina ovariana. Além disso, o SEC afeta o transporte ovidutal de embriões, a implantação, a decidualização uterina e a placentação. Há uma interação complexa entre o SEC e o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, e uma intrincada interação entre o SEC e a produção e secreção de hormônios esteróides. Canabinóides exógenos, derivados de plantas como a Cannabis sativa, também são ligantes para receptores canabinóides.”, revela o resumo do artigo.
A médica pontua ainda que o fato da mulher passar por inúmeras situações de estresse, ansiedade, sobrecarga profissional e doméstica, acaba por descompensar o SEC e por isso, há a necessidade de suplementar esse sistema a partir do uso da planta, uma vez que os compostos químicos ativam esse sistema que ajuda a regular todo o corpo.
“Na nossa sociedade é muito comum as mulheres estarem sobrecarregadas em vários níveis, em casa, no trabalho, com a família, muitas mulheres realizam até três jornadas de trabalho, nesse aspecto a cannabis se torna uma grande aliada, pois melhora a qualidade de vida, ajudando a regular o sono, a ansiedade e o próprio estresse. Quando não há esse equilíbrio, o ciclo menstrual muitas vezes é afetado, por isso a cannabis acaba desempenhando um tratamento integrativo da saúde”, destaca Dra Mariane.
Sabia que seu corpo produz canabinóides naturalmente? Sim! Nosso organismo possui um sistema chamado endocanabinóide, responsável por regular funções essenciais como sono, humor, dor, inflamação, ciclo hormonal, apetite e até prazer. Ele produz moléculas muito parecidas com os canabinoides da planta, como a anandamida, conhecida como “molécula da felicidade”. Quando há desequilíbrios, a cannabis pode atuar como uma aliada natural, ajudando a restaurar a harmonia do corpo, especialmente no ciclo feminino e na saúde ginecológica.
Cannabis na Ginecologia e as opções de tratamentos
O uso da Cannabis para tratamentos ginecológicos tem mostrado resultados expressivos no alívio de dores e desconfortos, além de atuar diretamente na modulação de processos inflamatórios e hormonais. Entre as principais indicações estão:
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a endometriose afeta cerca de 7 milhões de brasileiras. A inflamação crônica do endométrio gera dores intensas, cólicas e pode comprometer a fertilidade.
Uma pesquisa realizada com canabinóide sintético demonstra, em modelos celulares e animais, que agonistas canabinóides reduzem a proliferação celular, a formação de novos vasos (angiogênese) e promovem apoptose, mecanismos fundamentais no alívio das dores e inflamações associadas à endometriose. O SEC desempenha um papel crucial na regulação do trato reprodutivo feminino. A ativação desse sistema com fitocanabinoides promove a redução da inflamação e do crescimento anormal do tecido endometrial.
Ansiedade, alterações de humor, insônia, ondas de calor e desconforto muscular fazem parte da lista de sintomas que afetam mulheres na menopausa.
Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Alberta (Canadá) revelou que 65% das mulheres na meia idade média que utilizam a cannabis para fins medicinais é para aliviar os desconfortos típicos desse período.
Uma análise com título O lugar dos canabinoides no tratamento da dor ginecológica revela que; embora faltem ensaios clínicos robustos, o uso de cannabis para dor ginecológica é comum e relatado como eficaz. É possível considerar o uso da planta e monitorar a substituição de medicamentos tradicionais, sempre com supervisão médica.
O câncer de mama, que atinge mais de 70 mil mulheres por ano no Brasil, também pode ser abordado com terapias complementares à base de cannabis.
Estudo realizado pela Temple University, na Filadélfia, e publicado no British Journal of Pharmacology demonstra que os canabinóides são capazes de bloquear o crescimento celular, induzir apoptose (morte celular programada) e dificultar a progressão tumoral. Além da ação antitumoral, a cannabis também alivia os efeitos colaterais da quimioterapia, como náusea, fadiga e perda de apetite.
A depressão, que afeta duas vezes mais mulheres que homens, é hoje considerada uma das maiores causas de incapacitação no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, concluíram em um estudo que o CBD apresenta potentes efeitos ansiolíticos e antidepressivos. Um estudo da Universidade do Novo México (EUA) apontou que 96% dos pacientes que utilizaram cannabis para tratar depressão reportaram melhora dos sintomas já nas primeiras semanas.
A pesquisadora do Laboratório de Farmacologia do Comportamento na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Paloma Molina Hernandes, revelou em sua pesquisa publicada na revista Behavioural Brain Research que os efeitos terapêuticos do canabidiol (CBD) não são uniformes entre os sexos e podem variar significativamente de acordo com a fase hormonal das fêmeas.
“O que vejo acontecer com as pacientes é que elas percebem os benefícios da planta no corpo como um todo. Tem uma paciente que começou o uso para tratar as dores da endometriose, dor pélvica. Ela relatou uma melhora de 100% da dor que ela sentia, mas notou que houve melhora no sono e no controle da ansiedade. Como temos receptores do Sistema Endocanabinóide no corpo todo, é normal ter essa melhora em diferentes aspectos”, explica Letícia Ravelly, farmacêutica especializada em produtos de Cannabis e fundadora da Associação Liamba em Alagoas.
Cannabis e Sexo: uma combinação que favorece as mulheres
Além dos benefícios para a saúde, a cannabis também tem se destacado na melhora da vida sexual, especialmente das mulheres. Estudos apontam que os canabinóides aumentam a sensibilidade, reduzem a ansiedade e intensificam o prazer.
A saúde feminina é impactada, muitas vezes, por um combo difícil de lidar: ansiedade, dores crônicas (como cólicas, endometriose, fibromialgia) e queda na libido. O que muita gente ainda não sabe é que a cannabis vem se mostrando uma aliada potente no cuidado integral da mulher.
Graças à interação dos canabinoides com o nosso Sistema Endocanabinóide é possível:
– Reduzir a ansiedade e equilibrar o humor;
– Aliviar dores inflamatórias, cólicas, tensões e desconfortos;
– Melhorar a conexão com o próprio corpo, aumentando a lubrificação, a sensibilidade e o desejo sexual.
E tudo isso é ciência, não moda. Estudos comprovam que, ao regular funções como estresse, dor e prazer, a cannabis contribui diretamente para a qualidade de vida, o bem-estar emocional e a saúde sexual das mulheres.
O que diz a ciência?
Em 2017, um levantamento da Universidade Stanford, publicado no Journal of Sexual Medicine, avaliou dados de mais de 50 mil pessoas. O resultado foi claro: usuários de cannabis têm, em média, 20% mais relações sexuais do que não usuários. No grupo feminino, as mulheres que consumiram cannabis relataram 7,1 relações por mês, contra 6 do grupo não consumidor. Veja o artigo completo.
O sexólogo uruguaio Santiago Cedrés também aponta que o THC age diretamente em áreas do cérebro relacionadas ao prazer, provocando relaxamento, aumento da sensibilidade dos sentidos e intensificação do orgasmo, especialmente nas mulheres.
A filósofa e sexóloga norte-americana Ashley Manta, criadora do conceito Cannasexual, afirma que o uso terapêutico da cannabis foi fundamental para superar traumas sexuais. Em um estudo com 373 mulheres, 127 relataram experiências sexuais mais prazerosas, menos dor e orgasmos mais intensos quando usaram cannabis antes do ato.
Por que as mulheres se beneficiam mais?
A mucosa vaginal possui alta concentração de receptores canabinóides. Isso faz com que produtos como lubrificantes, géis e supositórios vaginais à base de cannabis proporcionem relaxamento da musculatura pélvica, aumento da lubrificação e amplificação das sensações táteis.
Relatos de usuárias desses produtos indicam que, em alguns casos, o orgasmo pode durar até 15 minutos , além de auxiliar na cura de traumas, no autoconhecimento e na melhora da autoestima.
Lubrificantes vaginais com cannabis: moda ou ciência? Eles não são apenas uma tendência! Lubrificantes à base de cannabis têm respaldo científico. Isso porque a mucosa vaginal é extremamente rica em receptores do Sistema Endocanabinóide, o que permite uma absorção rápida e eficaz dos compostos da planta. O resultado? Mais lubrificação natural, relaxamento da musculatura pélvica, aumento da circulação sanguínea na região íntima e, consequentemente, mais prazer, sensibilidade e facilidade para alcançar o orgasmo. Estudos apontam que, além de potencializar o prazer, esses produtos também podem auxiliar em dores durante a relação e no resgate da saúde sexual feminina.
RECEITA DO LUBRIFICANTE
por Letícia Ravelly (farmacêutica)
Ingredientes
25g de cannabis descarboxilada
250g de óleo de coco extra virgem
Utensílios
1 panela para fazer banho maria
1 recipiente de vidro (pode ser o próprio vidro do óleo de coco)
1 termômetro
1 coador de café com filtro
1 colher para mexer
1 funil para envazar
Como descarboxilar a planta
Pré-aqueça o forno a 115–120 °C (temperaturas mais altas correm o risco de degradar canabinoides e terpenos. É importante manter o forno nessa faixa, um termômetro de forno ajuda muito).
Despedace a maconha (sem moer demais, esfarele com a mão em pedaços médios. Moer muito fino pode queimar).
Forre uma assadeira com papel manteiga
Espalhe a cannabis uniformemente
Leve ao forno por 40 a 45 minutos
Mexa levemente a cada 15 minutos
Isso ajuda a garantir que aqueça por igual.
Retire do forno e deixe esfriar por completo
Como fazer o lubrificante
Colocar a cannabis descarboxilada e em um vidro com o óleo de coco, que deve estar em textura de óleo e não de pasta.
Mexer bem com uma colher limpa e tampar o vidro.
Levar esse vidro ao banho maria cuidando para a temperatura não ultrapassar os 90/100°C. A quantidade de água do banho maria deve chegar até a metade do pote.
Deixar em cozimento de 4 a 6 horas. Essa etapa pode ser feita em uma panela elétrica de arroz, em um forno elétrico ou mesmo no fogão, cuidando para a temperatura não ultrapassar os 100°C. Como a água vai evaporar ao longo desse tempo, lembrar de ir recolando a água já quente na panela onde está sendo feito o banho maria.
Após a mistura resfriar basta coar no filtro de papel de café e realizar o envasamento do óleo lubrificante.
Essa mesma receita pode ser transformada em supositório vaginal para cólica.
Basta colocar o óleo em embalagens vazias de comprimidos devidamente higienizadas com álcool e que serão ótimas formas. Levar para congelar, desinformar e manter as cápsulas em um pote de vidro. na geladeira para não derreter.
Como usar
Aplicar o lubrificante na vulva e na vagina (internamente) pouco antes do ato sexual e se entregar ao prazer.
No caso dosupositório, aplicar no canal vaginal como se fosse um absorvente interno, bem próximo do cólo.
OBS: importante ressaltar que esse lubrificante, por ser a base de óleo de coco, não pode ser usado com camisinha de látex, pois as propriedade do óleo podem romper o preservativo.
Assista o passo a passso aqui
Método de uso dos produtos à base de Cannabis
As formas de uso da cannabis assim como os produtos disponíveis no mercado são variadas. Os benefícios que se espera alcançar com o tratamento dependem da prescrição. É preciso levar em conta a proporção dos compostos químicos, a via de administração e o tipo de produto.
O método de consumo influencia na quantidade real dos compostos químicos que o corpo absorve, afinal cada método implica em uma perda, por isso, é muito importante que a prescrição da cannabis leve em conta a via de administração, pois cada via conduz as substâncias de uma forma diferente no organismo.
Na forma inalada, por exemplo, os efeitos aparecem mais rápido, porém do total absorvido pelo corpo, uma grande quantidade fica na corrente sanguínea e uma menor chega ao cérebro. Já na forma ingerida, os efeitos demoram mais para começar e são mais intensos e prolongados. Por isso, entender esse conjunto de ações faz toda diferença na escolha do método de consumo considerando o resultado que se quer alcançar.
Uso da cannabis inalada
Neste caso, envolve o uso das flores in natura ou dos concentrados/extrações, que são derivados dos diferentes métodos de extração, como por exemplo o haxixe. Este método é indicado para quem deseja um resultado mais instantâneo, por exemplo, alívio de dores crônicas, melhora do apetite e controle de náuseas.As substâncias da planta atingem rapidamente a corrente sanguínea e promovem o efeito desejado cerca de 15 minutos após serem inalada.
A forma mais usual de consumir a cannabis inalada é através dos cigarros. Porém, a combustão, mesmo que seja de flores naturais e orgânicas, produz alguns compostos nocivos presentes na fumaça, devido a combustão em alta temperatura, o que gera resíduos da queima, como o alcatrão. Além disso, durante a queima da flor, muitos componentes importantes da planta se perdem na combustão em alta temperatura.
Para evitar essas perdas e reduzir os danos provenientes da combustão é indicado o uso de vaporizadores de ervas e extrações. São aparelhos que controlam a temperatura, permitindo o aproveitamento dos compostos químicos, sem produzir os efeitos nocivos da combustão. Em 2022, algumas empresas no Brasil passaram a vender flores de cannabis importadas com autorização da Anvisa, mediante prescrição. Porém, a Anvisa proibiu esse tipo de comercialização.
Ingestão da cannabis
A principal diferença entre a inalação e a ingestão é o tempo de ativação dos compostos. Enquanto a curva da inalação chega no pico de 15 a 30 minutos após o uso, a da ingestão demora cerca de 40/60min, porém tem um efeito mais prolongado no corpo. Os compostos químicos da planta são, em geral, lipossolúveis, e quando ingeridos começam a ser metabolizados no fígado, para depois atingir a corrente sanguínea.
Esse processo no fígado torna alguns canabinóides mais potentes, como o THC, para atravessar a barreira de sangue no cérebro e assim, conseguir os efeitos desejados.Os tipos de produtos disponíveis no mercado para ingestão da cannabis são os óleos, os comestíveis e as bebidas. No Brasil, é possível conseguir de forma regulamentada os óleos e alguns tipos de comestíveis, como balinhas gummies.
Uso tópico na pele
Essa é a forma de uso mais segura da planta, por isso ideal para introduzir pessoas que desconhecem os benefícios da cannabis nesse universo de tratamento. Por entrar em contato com o corpo através da pele, é pouco provável que os compostos da planta vão causar o efeito chapado, mesmo que seja um produto rico em THC, por exemplo.
Como temos muitos receptores para a cannabis na pele, que é o maior órgão do nosso corpo, a conexão dos compostos com o sistema endocanabinóide começa na pele e depois passa para a corrente sanguínea. Esse método é indicado para alívio de dores localizadas
Uso tópico na mucosa
Diferentemente da pele, a mucosa tem maior poder de absorção pois é uma membrana semipermeável. Os compostos quando em contato com a mucosa, vão direto para a corrente sanguínea proporcionando um efeito rápido.
No caso de uso de produtos com maior proporção de THC, quantidades mínimas das substâncias chegam no cérebro. Os órgãos reprodutores das mulheres têm muitos receptores canabinóides. Ginecologistas têm indicado a cannabis como via tratamento para diversas doenças, como endometriose e para alívio de cólicas menstruais. O uso de supositórios vaginais com alto THC em contato com a mucosa do colo do útero promovem a diminuição das dores durante o período menstrual.
“As pessoas ainda tem uma visão que o uso da Cannabis é fumado, mas é importante falar das outras vias de administração. A vagina é uma parte do corpo que absorve a medicina da planta e tem seus benefícios. O lubrificante, por exemplo, além de ajudar no relaxamento, diminui a sensação de dor e isso estimula o prazer sexual. Inclusive, quando se fala de saúde da mulher, a ciência se limita a pesquisar óleo, mas a Cannabis permite diversas formas de uso, é preciso ampliar as pesquisas, principalmente voltadas para mulheres. A planta fêmea da Cannabis concentra esse perfil medicinal. Há algo do poder feminino que conecta a planta fêmea com a fêmea humana”, explica Letícia Ravelly, farmacêutica com especialização em produtos de Cannabis e fundadora da Associação Liamba.
A Cannabis como prática integrativa para a saúde da mulher
Além do alívio de sintomas, a cannabis pode ser pensada dentro de uma lógica de autocuidado e reconexão com o próprio corpo. Muitas pacientes relatam que o uso consciente e orientado de derivados da planta, contribui para uma percepção mais sensível de seus ciclos, emoções e limites. Essa escuta ativa do corpo é um dos pilares das práticas integrativas.
A abordagem integrativa não exclui a medicina convencional, mas amplia suas possibilidades. Envolve o olhar para a mulher de forma completa, considerando seus aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais. A cannabis, nesse contexto, não é uma “cura milagrosa”, mas sim uma ferramenta terapêutica que, aliada a outras práticas como a fitoterapia, a nutrição funcional, a acupuntura e a psicoterapia, pode gerar ganhos reais em qualidade de vida.
Mais do que um tratamento, a cannabis pode ser compreendida como parte de uma nova forma de viver a saúde: mais conectada com a natureza, com o saber ancestral e com a autonomia feminina.
“A cannabis se alinha perfeitamente com a filosofia do cuidado integral da enfermagem e quando digo isso não estou falando apenas dos sintomas físicos, mas também dos aspectos emocionais, hormonais e psicossociais da saúde da mulher, afinal ela amplia as possibilidades terapêuticas de forma mais personalizada principalmente no caso das mulheres. Muitas das queixas das minhas pacientes como dor pélvica, insônia, TPM, ansiedade ou alterações no humor, são frequentemente subvalorizadas e são consideradas não tão importantes na medicina convencional. Quando a cannabis é bem indicada e tem um bom acompanhamento de um enfermeiro ou enfermeira, promove ainda mais uma abordagem integrativa com estratégias do cuidado bem definidas para cada mulher, respeitando o ritmo biológico de cada uma individualmente, ouvindo seus corpos e suas experiências. A planta é uma verdadeira farmácia viva aliada principalmente no cuidado e no bem-estar feminino”, Stephanie Santana, enfermeira especializada no acompanhamento terapêutico de pacientes em tratamento com cannabis.
O cultivo de cannabis como autonomia de saúde e cuidado
Se antes a cannabis era cultivada por mulheres curandeiras, hoje retorna ao protagonismo da saúde feminina respaldada pela ciência. Estudos sólidos, conduzidos por instituições de renome, confirmam que os compostos da planta oferecem benefícios que vão do equilíbrio hormonal à melhora da vida sexual, passando pela saúde mental e alívio de dores crônicas.
“Assim como o cultivo de alimentos e de outras plantas medicinais, o cultivo da maconha proporciona autonomia em diversos aspectos vinculados ao equilíbrio de saúde e para além: desde promoção da segurança alimentar e fortificação sócio-econômica, até transformação na qualidade de vida através da interação cultural com o solo e os aspectos naturais da existência. Cultivar o próprio fitoterápico, da mesma maneira que cultivar o próprio alimento, transformando minimamente a Natureza para o bem viver e o viver bem, na artesania, é uma das formatações mais potentes do autocuidado; se faz também parte fundamental do cuidado com outrem, onde o campo do feminino atua tão maravilhosamente bem”, defende Thabata Neder, fitoterapeuta, fundadora e presidente do Club Brasileiro de Fitoterapia Cannábica.
Com o avanço das pesquisas e a crescente regulamentação do uso medicinal da cannabis no mundo, fica cada vez mais evidente que essa planta milenar tem muito a oferecer para a saúde e o bem-estar das mulheres.
“A ruptura de conhecimento do culto e da cultura natural para o feminino, assim como a exploração e destruição de Gaia, foram (e continuam sendo) as ferramentas principais do patriarcado capitalista e suas estruturas de dominação. Plantar, alimentar, curar e felicitar, com a proposta amorosa e respeitosa de economia circular através da agroecologia e da fitoterapia, desmantelando o sistema de monocultura da sociedade industrial moderna, são atos feministas, antes de mais nada. Como estamos falando sobre uma das plantas mais poderosas que a humanidade teve acesso, movimentando a economia de produtos como uma das maiores commodities já existentes, o ativismo e a produção de saberes ao lado da maconha, sob a ótica do feminino, pode trazer proporções revolucionárias em relação às cosmovisões e quebra de paradigmas na atualidade”, destaca Thabata.
O cultivo de cannabis segue proibido no Brasil. Em algumas situações é possível conseguir na justiça uma medida protetiva, que são os Habeas Corpus, que permitem o cultivo da planta para fins medicinais sem colocar em risco a liberdade do paciente. Porém, através de uma prescrição médica é possível comprar produtos à base de cannabis através da importação autorizada pela Anvisa ou mesmo das associações de pacientes que tem autorização de cultivo e produção, além de algumas possibilidades nas farmácias.
A legalização da cannabis e do seu cultivo representa um avanço crucial na garantia do direito à saúde, especialmente para pacientes que dependem da planta para o tratamento de doenças crônicas, dores severas e condições que não respondem bem aos tratamentos convencionais.
Ao permitir o cultivo legal, o Estado reconhece a eficácia terapêutica da cannabis, viabiliza o acesso mais democrático e reduz a dependência de importações caras e inacessíveis para a maioria da população. Isso significa mais autonomia para pacientes e famílias que, muitas vezes, enfrentam longas batalhas judiciais para garantir o direito de cultivar seu próprio remédio.
Além disso, a legalização abre caminhos para a pesquisa científica e o desenvolvimento de produtos mais seguros, eficazes e adaptados às necessidades específicas dos pacientes. Com a regulamentação, é possível estabelecer padrões de qualidade, fiscalização sanitária e formação de profissionais de saúde para o uso racional e responsável da cannabis. Em vez de marginalizar uma prática que já ocorre informalmente, o cultivo legal permite que ela se desenvolva com segurança, justiça e base científica, fortalecendo o sistema de saúde e ampliando o cuidado integral à vida.
Sob a ótica social, legalizar a cannabis representa uma ruptura necessária com a política de drogas vigente no Brasil, ainda profundamente marcada pelo proibicionismo. É esse modelo que sustenta o discurso de “combate às drogas”, um discurso que, na prática, direciona sua violência às periferias, às favelas e, sobretudo, aos corpos pretos e pobres.
A guerra às drogas não é contra substâncias, mas contra pessoas historicamente marginalizadas. Curioso lembrar que, em 1830, foi criada a chamada “Lei do Pito do Pango”, que proibia o uso da maconha na cidade do Rio de Janeiro. Essa legislação tinha como alvo a criminalização dos negros, que costumavam utilizar a erva em seu cotidiano. Ainda hoje, a Lei de Drogas é a principal responsável pelo encarceramento em massa no Brasil, composto majoritariamente por homens negros e pardos.
Por isso, defender a legalização da planta e o direito ao cultivo em todos os quintais é, acima de tudo, um ato de preservação da vida. É garantir autonomia aos pacientes, oferecer um caminho para a reparação das populações mais vulneráveis e enfrentar, de forma direta, os pilares de um sistema racista, excludente e opressor.
Thais Castilho Pinto
Formada em Jornalismo pela PUC-Campinas, Thais atuou em diversas editorias e construiu sua carreira na Chapada Diamantina (Bahia), onde lecionou disciplinas na área de Comunicação e publicou três livros pelo Senac. Nos últimos cinco anos, tem se dedicado ao estudo das políticas de drogas e das terapias com cannabis e psicodélicos, com foco na divulgação científica. Nesse período, produziu conteúdo para diversos portais especializados e também atua como diretora de Comunicação da Associação SouCannabis.
Revista Sangro
Labirinto, Labjor, Unicamp
Junho de 2025