O legado de Bruno Latour para pensarmos o Brasil – e o mundo – do futuro

Bruno Latour faleceu na madrugada do último dia 09 de outubro, aos 75 anos, em Paris. Uma das principais vozes da filosofia da natureza e ecologia política, Latour questionava os processos científicos e se interessava, entre outros assuntos, por questões de gestão e organização de pesquisa.
Formado em filosofia e antropologia, lecionou em escolas de engenharia na França e no exterior, sendo professor visitante em Harvard. Foi doutor em filosofia pela Université de Tours e em antropologia pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris.
Formações e títulos à parte, Latour contribuiu – e continuará contribuindo – para as reflexões acerca do mundo em que vivemos. No recente “Diante de Gaia: Oito Conferências Sobre a Natureza no Antropoceno”, publicado no Brasil pela Editora Ubu, o antropólogo apresenta ferramentas filosóficas para pensar as crises política e ecológica. Na obra, ele reexamina a hipótese de Gaia, de James Lovelock, e argumenta que Gaia é um conceito que possibilita pensar em soluções para os problemas ecológicos para além da dicotomia entre natureza e cultura.
Em entrevista para o Amanhãs Aqui e Agora, do Museu do Amanhã, Latour explica que Gaia – em sua concepção – se refere a um novo regime climático, com formas vivas transformando o ambiente, o que é mais ou menos o que o poder político faz; indo além da noção de superorganismo.
Outra obra lançada em 2020 no Brasil, “Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno”, da Editora Bazar do Tempo, traz uma reflexão sobre como lidar com o populismo e o negacionismo em meio a uma crise ecológica, humanitária e sanitária.
Latour nos ajuda a entender o que virá, os futuros possíveis, um amanhã que, segundo ele, deveria ser um parlamento das coisas: humanos, animais, plantas, objetos, vivos e não-vivos teriam voz e direitos. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em setembro de 2020, o filósofo relaciona o Brasil atual com a Espanha de 1936, durante a Guerra Civil.

(…) quando há a mais forte virada na política, que é o novo regime climático, é também quando há a maior catástrofe na política. Ambos estão relacionados: se a política se tornou tão maluca é porque a crise é muito profunda e ela é sobre o clima. Sobre o horizonte para o Brasil, é muito importante para o resto do mundo que vocês encontrem respostas para essa crise.

E, pensando em todos nós como parte de um território compartilhado, a solução para o Brasil é também a solução para o resto do mundo. Assim, Latour, na mesma entrevista para a Folha, deixou uma mensagem aos brasileiros: “Meu coração está com vocês nesta tempestade perfeita e espero que vocês saiam dela. Todos nós precisamos que vocês saiam dela.”
Termino esse texto com um trecho de uma homenagem escrita por Patrice Maniglier, intitulada “Uma morte a contratempo, uma obra para o futuro”, que deixa uma orientação para nós, contemporâneos de Latour, que continuaremos com os problemas:

Creio que não haveria melhor maneira de prestar homenagem a Bruno Latour do que permanecendo fiel a seu espírito, que não era de deplorar a nossa sorte ou criticar o mundo tal como ele anda, mas empreender uma mobilização coletiva no tratamento de problemas reais, quer se trate de os determinar melhor a fim de melhor se encarregar deles, não porque se tem o dever abstrato em relação a esses problemas, mas porque a única verdadeira alegria vem de que se age os problemas em vez de se submeter a eles. Latour não queria que se cantasse louvores a sua pessoa ou a sua obra. Ele queria que se contribuísse, falando dele, a tratar o problema que literalmente o fazia viver.

 

Legenda da imagem: Latour nos ajuda e inspira a pensar sobre os futuros possíveis para o Brasil e o mundo. Créditos da imagem: Ritzau Foto

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