As células-tronco têm sexo? Uma das perguntas do meu projeto de mestrado!

Em 2013, a agência reguladora dos Estados Unidos (FDA) determinou que o medicamento Ambien – um medicamento usado no tratamento de insônia, com princípio ativo Zolpidem – teria dose diferente para homens e mulheres. Essa decisão foi justificada por diferenças na metabolização do Zolpidem por mulheres, fazendo com que mulheres tivessem maior risco de eventos adversos. O uso do medicamento prejudicou a percepção e a atenção, atrapalhando a direção de carros no dia seguinte, por exemplo. Isso chamou atenção para diferenças entre os sexos sendo sub-estudadas. A maior parte das doenças conhecidas apresentam diferenças entre os sexos em sua incidência, progressão e/ou resposta de tratamento.
Quando olhamos para pesquisas biomédicas, encontramos principalmente células masculinas, de animais machos e pacientes homens sendo utilizadas. Essa escolha é justificada por uma suposta “universalidade do sexo”. E, apesar dos estudos indicando o contrário e das regulamentações implementadas, não parece ocorrer uma mudança realmente significativa numa melhor representatividade nos estudos.
Ao mesmo tempo que encontramos diversos estudos com apenas amostras masculinas, quando olhamos para uma amostra tida como “feminina”, constrói-se uma série de barreiras. Em um trabalho anterior do nosso grupo de pesquisa, investigamos as células-tronco de sangue menstrual, que são células-tronco adultas que apresentam diversas vantagens, como bom crescimento e boa resistência. Mostramos que o sangue menstrual representa apenas 0,25% dos artigos, sem nenhuma justificativa técnica para essa representação irrisória no universo das células mesenquimais.
O sangue menstrual é associado a corpos femininos ou entendidos como femininos e de mulheres cisgênero, apesar de homens transgêneros, pessoas não binárias, mulheres na menopausa e mulheres sem útero tornarem essa ligação não tão direta. Assume-se que as células poderiam beneficiar “apenas” mulheres e essa é uma das razões para sua baixa utilização, sem nenhuma explicação científica sobre essa diferença entre as células masculinas (modelo e privilegiadas) e as femininas (diferentes e sub-representadas).
Mas afinal, as células-tronco têm sexo? E o mais importante: faz alguma diferença usar células femininas ou masculinas? Impacta nas pesquisas e nas potenciais aplicações clínicas? Impacta a saúde das mulheres? Influencia acesso, disponibilidade e qualidade de tratamento envolvendo células-tronco? Essas são algumas das perguntas que eu vou perseguir no meu projeto de mestrado, que eu comecei a cursar nesse semestre no Mestrado de Divulgação Científica e Cultural (IEL/Labjor), na Unicamp. Na minha pesquisa, vou tentar entender como as questões ligadas às diferenças entre os sexos estão presentes nas pesquisas com células-tronco.

Descrição da imagem: Cartaz sobre células-tronco de sangue menstrual levantado no ato na Avenida Paulista no Dia Internacional da Dignidade Menstrual. Crédito da imagem: @projetomenstrua

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