Uma visita à exposição “Coração na aldeia, pés no mundo”

Recentemente estive na exposição “Coração na aldeia, pés no mundo”, com curadoria de Fabiane Medina e Fabiana Bruno. A exposição que ficou em cartaz no Sesc Piracicaba (SP) até final de abril de 2023 contou com mais de 100 obras, 22 artistas – Aliã Guajajara, Anna Bella Geiger, Arissana Pataxó, Auritha Tabajara, Benilda Kadiwéu, Cildo Meireles, Claudia Andujar, Denilson Baniwa, Edgar Kanaykõ Xakriabá, Frans Krajcberg, Gisela Motta & Leandro Lima, Henry Ayn, Jaider Esbell, Julia Zulian, Katie Mähler, Naine Terena, Paulo Roberto Jares Martins, Priscila Tapajoara, Sallisa Rosa e Vanessa Pataxó – a maioria de origem indígena, de 7 estados brasileiros e de fora do país.
Coração na aldeia, pés no mundo inspira-se na obra homônima da intelectual contemporânea e escritora indígena Auritha Tabajara, filha do povo Tabajara, da região do Estado do Ceará. A exposição trata da epistemologia vernacular das mulheres indígenas, convidando o público a pensar a terra como lugar primordial do universo simbólico feminino para as civilizações indígenas, bem como nas formas de resistência diante da expulsão dos territórios, a partir da migração, da expropriação do garimpo e da instalação de uma cultura agroexcludente, que culmina no genocídio e no epistemicídio dos povos indígenas (BRUNO e MEDINA, 2023, p.4).
Em roda de conversa sobre “Curadoria como prática de pesquisa: desafios da montagem de Coração na Aldeia, Pés no Mundo”, que aconteceu no Sesc Piracicaba, com Fabiana Bruno, no dia 15 de abril de 2023, foi possível dialogar sobre os desafios da pesquisa no contexto da arte indígena contemporânea e sobre os processos compartilhados de seleção de obras em acervos artísticos indígenas. Segundo Fabiana, para que a exposição acontecesse foi preciso desenvolver uma pesquisa bastante intensa, principalmente, para que fosse possível chegar até essas obras. Muitas delas estavam nas aldeias e as curadoras possuíam poucas informações prévias sobre as obras. Fabiana destacou que, em muitos casos, elas possuíam apenas uma fotografia em baixa resolução da obra e a partir disso elas precisavam acionar toda uma rede de contato para chegar até a imagem original. Foi também necessário estabelecer uma relação de confiança com as lideranças indígenas e, muitas vezes, adaptar os processos de trabalho que envolveram a realização da exposição, como por exemplo, quebrando alguns protocolos, concedendo algumas exceções etc. Para isso, Fabiana Bruno disse que a parceria com as equipes do SESC foi fundamental para o sucesso da exposição.
Ainda na roda de conversa, Fabiana Bruno salientou que está sendo importante pensar nesse processo de curadoria compartilhada, e destacou que esse é um termo que tem sido bastante acionado recentemente, mas reflete sobre o que seria compartilhar uma curadoria. Apesar disso, é importante dizer que falar em curadoria compartilhada implica trabalhar com um termo que foi ganhando diferentes usos e sentidos ao longo de sua história, que envolve pensar no compartilhamento dos processos de decisão, ou seja, em um deslocamento do poder, tradicionalmente centralizado na figura de um curador. Pensando sobre isso, é importante refletir com quem estamos dispostos a compartilhar o poder de decisão que envolve a seleção de obras de arte para uma exposição? De que forma a autoridade do curador pode ser distribuída na rede de atores envolvidos na montagem de uma exposição?
Quando se fala em curadoria compartilhada, em seu sentido mais pleno e potente, a compreensão que parece a mais interessante e fundamental de ser explorada é a do compartilhamento, amplo e (quase?) irrestrito das decisões no processo instaurado. Trata-se, portanto, de um compartilhamento de poder que se deseja, a priori e essencialmente, equitativo. Sem dúvida, por isso, é um tipo de iniciativa que exige um comprometimento muito maior da instituição. Demanda que ela esteja pronta para ceder sua autoridade durante o processo que tenha escolhido abrir, seja a elaboração de uma exposição ou uma ação de pesquisa e seleção de acervos. (Tomara! Educação e Cultura, 2020, p. 124)
Em “Coração na aldeia, pés no mundo”, Fabiana Bruno e Fabiane Medina promovem um diálogo interessante entre diferentes agentes que envolveram as várias etapas dos processos de seleção, pesquisa, comunicação, exposição. Como resultado, desse diálogo elas acabam por desconstruir o lugar de autoridade do curador único.

Acesse aqui o catálogo da exposição

BRUNO, F. e MEDINA, F. Coração na aldeia, pés no mundo. In. SESC PIRACICABA. Coração na aldeia, pés no mundo. Piracicaba, SESC Piracicaba, 2023. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/coracaonaaldeia/. Acesso em: 29 de abril de 2023.

TOMARA! EDUCAÇÃO E CULTURA. Modos mais compartilhados de fazer curadoria: concepções e experiências práticas de curadoria compartilhada. São Paulo: Tomara! Educação e cultura, 2020. Disponível em: https://www.tomaraeducacaoecultura.com.br/post/pesquisa-sobre-curadoria-compartilhada-para-o-museu-do-ipiranga. Acesso em: 29 de abril de 2023

 

Legenda da imagem: João em visita à exposição “Coração na aldeia pés no mundo”, no SESC Piracicaba. Créditos da imagem: Fernando Camargo.

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