Algumas dicas de escrita para publicação em revistas científicas: oficina de escrita da 4S.

Escrever não é fácil. Já faz quase uma década desde que decidi que me dedicaria ao trabalho acadêmico e entrei na minha segunda graduação. Minha formação em Ciências Sociais foi um constante desaprender coisas básicas que eu achava que sabia: ler e escrever. Já não consigo contar mais quantas foram as noites em claro, os bloqueios de escrita, as crises de impostora. Só sei que conheço até que bem a geografia dos vales infernais da escrita acadêmica depois de ter atravessado eles a cada grande parto que realizei. O mais recente deles foi a qualificação do doutorado. E de tanto caminhar por esses vales, sinto que cada vez fica menos dramático.

Mas um novo desafio se mostra no meu horizonte, o da escrita de artigos para publicações em revistas científicas. Pralém da cobrança produtivista da academia, que de certa forma não podemos ignorar se quisermos continuar nessa caminhada e tentar ganhar a vida com isso, publicar nossos trabalhos vem me parecendo cada vez mais um gesto de generosidade. Fazer com que o conhecimento que produzimos circule é devolver para o mundo um pouco da energia vital que “pegamos emprestado” nos diversos encontros, teóricos e empíricos, que compuseram nossas pesquisas.

Com isso em mente, tive o prazer de participar de uma oficina de escrita acadêmica oferecida pela Society for Social Studies of Science (4S), realizada entre os dias 5 e 6 de dezembro em Puebla, México. A oficina fez parte do encontro anual da 4S, que em 2022 foi feito em conjunto com a ESOCITE. O formato da oficina foi muito interessante, contando com pessoas que pesquisam e estão no início de suas carreiras e pessoas acadêmicas com trajetórias consolidadas que trabalham também como editoras de sete periódicos acadêmicos vinculados à 4S – Social Studies of Science; Science, Technology and Human Values; Science & Technology Studies; East Asian Science and Technology Studies; Engaging Science, Technology and Society; Catalyst: Feminism, Theory, Technoscience; Tapuya: Latin American Science, Technology, and Society. Estavam presentes dois editores de cada revista, e pudemos conversar com eles, além de receber deles pessoalmente retorno sobre um rascunho de artigo que enviamos para a oficina.

A experiência foi muito interessante, e compartilho aqui algumas dicas preciosas que recebemos durante essa formação:

 

CONSTRUA SEU REPERTÓRIO

  • Saiba onde as pesquisadoras que você mais lê publicam;
  • Mantenha uma lista dos lugares onde você gostaria de ver seu trabalho publicado;
  • Revistas são comunidades acadêmicas e o conjunto de revistas que compõem determinada comunidade (como por exemplo no meu caso os estudos feministas da ciência e tecnologia) formam uma paisagem que você deve ter familiaridade.

 

PUBLICAR É SE INSERIR EM COMUNIDADES

  • Procure saber a missão das revistas, assim você poderá saber quais revistas poderão ser mais receptivas com o trabalho que você gostaria de publicar;
  • Tenha sensibilidade para entender seu campo de trabalho: vale mais a pena publicar localmente ou em revistas internacionais? O que vai fazer você estar mais perto de sua comunidade?

 

PRIMEIROS PASSOS PARA PUBLICAR

  • Pense na audiência que você quer atingir e baseie nisso a escolha de qual revista enviar seu artigo;
  • Envie o artigo no formato exigido pela revista, que sempre está disponível nos sites dos periódicos;
  • Tenha em mente que seu artigo deve ser forte de modo empírico e teórico;
  • No texto seus argumentos devem aparecer de forma clara e devem emergir dos dados selecionados;
  • É importante expor não só como a literatura contribui com seus dados, mas também como seus dados contribuem com a literatura com a qual você está dialogando;
  • O recurso da “cover letter” pode ser usado para falar coisas para editores e não revisores (como por exemplo assuntos éticos delicados),ou pedir algum tipo de “abordagem” (como por exemplo pedir por revisores de alguma área específica).

 

COMO CONTINUAR ESCREVENDO DEPOIS DE RECEBER OS PARECERES….

  • Crie uma sistematização das considerações dos pareceristas, traduzindo as considerações dos pareceristas com suas pŕoprias palavras e tentando avaliar criticamente quais considerações você incorporará.
  • Crie um cronograma de trabalho a partir das mudanças que decida fazer;
  • Ao receber pareceres pedindo mudanças no texto, evitar entrar no processo de revisão antes de escrever coisas novas (“procrastinação produtiva”);
  • Para iniciar o processo de alterações no texto, aposte em uma escrita livre: comece escrevendo ideias em um outro documento que não o do rascunho submetido;
  • Se necessário, retorne ao básico: Qual é meu argumento? Qual é minha contribuição teórica? Como essas coisas estão ligadas com os dados que apresento?
  • Considere se voluntariar para revisar artigos em revistas científicas, isso trará experiência de avaliação que pode ser aplicada ao seu próprio trabalho.

 

Por fim, uma outra dica recorrente na oficina foi a de criarmos e mantermos grupos de apoio com foco na produção de artigos junto às nossas companheiras de pesquisa. É muito importante contar pessoas ao nosso redor para exercitar tanto a capacidade de ler e criticar trabalhos de nossas companheiras quanto de receber e organizar críticas aos nossos trabalhos. Ainda que o momento da escrita em si seja muito solitário, o trabalho acadêmico não deve ser. A alegria está justamente em caminhar junto.

 

Legenda da imagem: Fotografia da oficina de escrita da 4S, realizada entre 5 e 6 de dezembro de 2022 em Publa, México.

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