Comunicando a PrEP no Instagram em um contexto de neoliberalização da prevenção

Desde a formulação do PrEP América do Sul, venho me interessando pelas múltiplas formas de comunicar a PrEP nas redes sociais, especialmente no Instagram, em diferentes países. Esse interesse se intensificou em razão da minha responsabilidade pela supervisão da comunicação científica do projeto. Passei, então, a acompanhar, a partir de uma perspectiva etnográfica alinhada à proposta da pesquisa, diversas estratégias audiovisuais, narrativas adotadas, os corpos visibilizados (e aqueles silenciados), bem como as interações produzidas nos comentários e outros aspectos comunicacionais.
A PrEP é um comprimido oral composto por dois antirretrovirais que bloqueiam os caminhos de infecção do HIV. Atualmente, existem duas modalidades principais de uso: a PrEP diária, com ingestão contínua do medicamento, e a PrEP sob demanda, utilizada em situações pontuais, diante de uma possível exposição ao vírus. Mais recentemente, surgiu a modalidade injetável de longa duração, ainda não amplamente disponível a nível global. Desde 2015, a Organização Mundial da Saúde reconhece a PrEP como uma ferramenta central na resposta à epidemia de HIV/aids, no contexto da chamada prevenção combinada.
Em parceria com os professores Fernando Seffner (UFRGS) e André Machado (UEA), passamos a investigar como a comunicação sobre PrEP no Instagram tem promovido uma hibridização entre culturas juvenis e racionalidades biopolíticas, em um cenário marcado pela neoliberalização da prevenção. De um lado, observamos uma expectativa – presente na indústria farmacêutica e nas práticas biomédicas – pela formação de sujeitos dóceis, plenamente aderentes ao uso do medicamento. De outro, a própria circulação da PrEP como tecnologia biomédica enfrenta desafios complexos relacionados à informação, ao acesso e à adesão para múltiplos perfis que possam se beneficiar desta tecnologia de prevenção.
Ainda que diferentes estudos venham destacando a relevância da comunicação em redes sociais como ferramenta de democratização do conhecimento científico e da saúde pública, é importante sublinhar que, até o momento, não pude localizar projetos públicos para comunicar a PrEP de forma plural e com linguagem acessível em redes sociais para diferentes públicos. Os perfis existentes sobre o tema são geridos por instituições de pesquisa, influenciadores digitais e empresas, que vêm ocupando uma lacuna importante na comunicação em saúde e delineando formas de endereçamento a públicos específicos.
Como resultado de nossas reflexões, submetemos para publicação em revistas científicas dois artigos sobre o tema. Trata-se, sem dúvida, de um campo fértil para investigações etnográficas. Em tempos em que o individualismo tem ganhado força e as desigualdades estruturais se acentuam, torna-se central atentar às pedagogias da prevenção e aos modos como ela é (re)produzida nas mídias digitais.
Este texto é resultado do projeto de pesquisa “Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) para prevenção ao HIV na América do Sul: etnografia das experiências de acesso, uso e gestão” (CNPq, Decit/SECTICS/MS e Dathi/SVSA/MS, processos nº 445070/2023-4 e nº 405770/2024-3), coordenado por André Machado (UEA) e Kris H. Oliveira (USP). Para mais informações, acesse: https://prepamericadosul.uea.edu.br/.
Legenda ou descrição da imagem: Imagem com fundo de céu nublado e mar agitado. Em destaque, há um comprimido azul com a inscrição “PrEP” conectado por um fio fino a um preservativo preto com estampas brancas. O comprimido e o preservativo estão flutuando acima da água, sugerindo uma relação de interdependência entre os dois elementos de prevenção.
Créditos da imagem: Captura de tela do perfil no Instagram @preparasalvador. Disponível em: https://www.instagram.com/preparasalvador/p/C-ORz5nJ4-e/. Acesso em: 01/07/2025.