Entre verbos, vírgulas e posts. Perdida no ciclo.

Olhar labiríntico

 

Abre os olhos, vira pro lado, estende a mão. O celular ao lado já espera e quase nem esfriou, ela ficou digitando até às 2h da manhã na madrugada. Acende a tela, desbloqueia, em dois toques: Instagram.

Rola o feed, rola mais, mais, mais, se passou uma hora e até agora só o dedo se move. Tem os stories, assiste dez, quinze, cem, duzentos. Vários amigos estão viajando e vem a necessidade de postar alguma coisa bonita também. Antes, é bom conferir quem olhou os meus stories de ontem. Nossa! 100 pessoas. O que aconteceu? Até ontem eram 112. Por que meu número desceu?

Levanta, doem as costas, mas já passa. A cabeça também dói, mas tudo bem. Ela passa um café que ficou forte demais. Ela posiciona ao lado do mamão cortado, tira uma foto com cuidado para aparecer a fumacinha, insere três efeitos diferentes, mexe no contraste, brilho, diminui a saturação e posta. Depois joga o café na pia, deixa o mamão na mesa e abre um pacote de salgadinho.

Ainda existe Facebook, ninguém usa, ela diz. Mas vamos ver se tem alguma notificação. Alguém me adicionou, aceito, que saco: só tem propaganda no messenger, mas deixa eu responder esse aqui porque gostei dessa blusinha.

Quando vê, o carrinho da loja está cheio. Mas tudo bem, dá pra parcelar em cinco, eu tô mesmo precisando de roupa, depois vejo como pago. Se pago. Twitter. Ela tá cansada e chateada porque o namorado não respondeu no WhatsApp. Em poucos caracteres ela conta que está muito triste e espera alguma atenção que não vem.

Abre o TikTok, só pra passar o tempo, dar risada, ainda preciso trabalhar. Já são 14h, nossa, a quarentena me deixa muito improdutiva.

Come qualquer coisa, abre o e-mail e tenta responder, mas a notificação apita e o celular não fica longe da sua mão mais do que 5 minutos. Cinco minutos é muito! Ela ainda quer postar um IGTV, gravar rapidinho três reels para programar durante a semana usando o estúdio de criação. Aí ela compartilha automaticamente pro Facebook e Twitter, salva o story e joga nos status do Whats. Confere quem viu, se pergunta quem deixou de assistir e assume que tem alguma coisa errada com ela.

Cansada, ela toma banho – bem rápido porque o celular tocou no meio. De toalha na cabeça ela tira selfies mostrando seu colo molhado, na tentativa de gostar mais de si. Depois de 38 fotos ela gosta de uma, edita, brilho, contraste, saturação, filtro, legenda, hashtag, posta. Mais 1h30 acompanhando o resultado do post, respondendo as amigas que comentam “que linda!” mas não aparecem há três anos.

Curte cada comentário, acrescenta alguns emojis e depois de 22 elogios, às 2h, ela se sente pronta para colocar o celular ao lado e dormir.

Abre os olhos, vira pro lado, estende a mão. O celular ao lado já espera e quase nem esfriou, ela ficou digitando até às 2h da manhã na madrugada…

Mas no fundo ela ainda tem esperança de encontrar labirintos mais saudáveis.

Leave A Comment