Inteligência artificial como ferramenta de eugenia: tecnologia a serviço da branquitude

De terra prometida à terra de ninguém, a Internet viu sua imagem transmutar de palco conciliador das diferenças à campo minado onde opressões de raça, gênero e classe – para citar alguns – ganham novos aditivos. Primeiramente por suas – supostamente insuperáveis – falhas na proteção a grupos minoritários. Em segundo lugar, pela falta de regulamentações que deem conta de abarcar um espaço sem restrições territoriais. Isso sem falar no anonimato obtido sob a premissa de segurança de dados, que faz com que muitos usuários publiquem conteúdo ofensivo sem a preocupação de que estão infringindo o direito à dignidade de quem está do outro lado da tela. Não inadvertidamente, cada novo advento tecnológico pode servir à rede mundial de computadores não como um dissolvente de diferenças, mas como agente perpetuador das desigualdades sociais.

Aqui trataremos especificamente da inteligência artificial e de que modo essa ferramenta tem se mostrado uma arma potente para manutenção da hierarquização racial, principal pilar das teses eugenistas. A relação entre essa pseudociência e IAs se alinhava em sua capacidade de fomentar o pensamento de supremacia racial a partir de seus mecanismos mais básicos. Vide o viés racista das tecnologias de reconhecimento facial, cuja chance de erro na identificação é maior quando se trata de peles escuras em comparação com peles claras.

Outra evidência é o apagamento sistemático das realizações de pessoas negras. Quando pedimos a um buscador ou um modelo de linguagem como o Chat GPT para listar os maiores pensadores brasileiros e a resposta inclui uma – ou nenhuma – fonte não branca, é a tecnologia corroborando com a ideia de que negros e negras tem um intelecto inferior, tal qual eugenistas alardeavam. Também é tirar da história as contribuições culturais de Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Lélia González, Beatriz Nascimento, Cida Bento e Sueli Carneiro. Daí as objeções quanto às tecnologias atuais que fornecem informações retiradas de sites, posts e livros publicados online, uma vez que seu repertório se forma com base em qualquer tipo de conteúdo da rede, seja ele racista, sexista, capacitista, lgbtqiap+fóbico ou excludente, de acordo com aquilo que há no –

quase ilimitado – acervo cibernético. Tudo isso sem que haja uma mediação do que é ou não plausível.

No que tange formas menos subjetivas, filtros embelezadores estão para exaltação do padrão eurocêntrico como a solidão está para a mulher negra. Isso é, de um lado temos artefatos criados para corrigir imperfeições, cujas mudanças se traduzem em apagamento de traços negróides e clareamento da pele. Por outro lado, temos meninas e mulheres não brancas a quem é negada a associação com a beleza e a quem está sendo ensinado que a norma é ser branco. Com isso, diante da rejeição que permeia os espaços sociais, como a vida escolar, até o âmbito amoroso, muitas enfrentam a exclusão afetiva. Para os eugenistas, afastar negros e brancos possibilitava a concretização do lema central: evitar que os considerados inferiores seguissem reproduzindo outros iguais.

Portanto, antes de nos preocuparmos com a substituição do homem pela máquina, devemos nos atentar sobre quem as IAs estão elegendo para sobreviver e quem será lembrado por elas.

Créditos da imagem: Nappy Stock.

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