Lesbofobias algorítmicas e a campanha #SEOlesbienne

Cada vez mais a internet vêm se fundindo em diversas esferas da vida social e cotidianamente se hibridizando aos nossos corpos, relações e subjetividades. Neste contexto um grupo de importantes personagens são os algoritmos: mecanismos programados que regulam o funcionamento das plataformas na internet e gerenciam quais conteúdos serão acessados, direcionados e indicados para cada usuárie. E, é importante lembrar, a produção desses códigos é feita por pessoas e orientada por agendas e interesses político-econômicos particulares.
Dentre as ferramentas algorítmicas que compõem o digital, se destaca o software do mecanismo de busca da plataforma Google, que ocupa lugar cada vez mais relevante enquanto fonte de compartilhamento e obtenção de informações e conteúdos online. Neste mecanismo, os algoritmos informatizados são responsáveis por identificar, classificar e organizar os conteúdos que serão ou não apresentados para cada pesquisa feita através da ferramenta. Este código é constantemente atualizado, alimentado e treinado por seus desenvolvedores, mas também a partir dos feedbacks (como cliques e tempo de leitura) dados pela utilização da plataforma peles usuáries. Assim, esta ferramenta de buscas é construída e, ao mesmo tempo, constrói imaginários culturais e atua diretamente na constituição de subjetividades.
Um evento interessante que nos permite refletir sobre os impactos deste mecanismo ocorreu em junho de 2019, quando o algoritmo de pesquisa do Google para buscas pelo termo “lésbica” foi alvo de uma campanha virtual intitulada #SEOlesbienne, cujo intuito foi expor e cobrar a plataforma sobre o viés contido nos resultados apresentados para esta expressão e seus correlatos. A campanha resultou em uma alteração (algorítmica) nas respostas dadas para o termo, efetuada pela própria plataforma, após a qual os resultados das primeiras páginas, antes quase homogeneamente constituídas de conteúdos pornográficos – especialmente da indústria pornográfia mainstream – agora apresentam não apenas maior diversidade de fontes e conteúdos que tratam de lesbianidade, como também conteúdos mais informativos e menos sexualizados. Fugindo dos moralismos possíveis, é importante destacar que esta “hegemonia pornográfica” antes associada às lesbianidades pela plataforma se faz especialmente problemático se considerarmos o amplo universo de discursos, representações, práticas, estéticas e referências que compõem as múltiplas lesbianidades possíveis. As lesbianidades são muitas e, por isso mesmo, não pode ser apenas uma retórica (e não qualquer uma) sobre lesbianidade a nos ser apresentada.
Esse evento carrega consigo questões políticas e teóricas interessantes, especialmente no sentido de ilustrar as maneiras pelas quais os algoritmos servem muitas vezes para reproduzir, atualizar e produzir (novas) formas de invisibilidade, fetichização e violência lesbofóbicas, mas, também, como exemplo de resultado de ações políticas coletivas na transformação da tecnologia.

 

Descrição da imagem: Ilustração da logo da empresa Google, com inserção do duplo espelho de vênus (símbolo lésbico). Crédito: Flora Villas

1 Comment

  1. Isadora

    muito massa essa provocação e debate! tem uma autora (Julianna Motter) muito boa que faz essa discussão, inclusive a partir da campanha #SEOLESBIENNE, desde 2020. ela tem vários textos sobre o assunto, mas acerca desse tema, vale a pena ler esse: MOTTER, J. P. J. . A COMPREENSÃO DAS LESBIANIDADES A PARTIR DO GOOGLE. In: I Congresso Online de Resistência LGBTI, 2020. I Congresso Online de Resistência LGBTI, 2020. v. 1.

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