Mães na Ciência: como os parâmetros de avaliação de trajetória acadêmica se tornam mais uma fonte de desigualdade social

Desde que me tornei mãe tem sido muito desafiador conciliar os cuidados do meu filho com o trabalho, algo que muitas mães vivem. Principalmente, em se tratando de uma realidade em que eu e meu marido temos pouca rede de apoio, optamos por não colocar nosso filho na escola ainda e eu sigo amamentando.
Atualmente, sou pesquisadora de pós-doutorado do Labjor/Unicamp, desenvolvendo uma investigação sobre os impactos e desafios da educação menstrual na promoção da dignidade menstrual, financiada pelo CNPq, que envolve uma pesquisa-ação entre estudantes de escolas públicas, do Brasil e do México. E, por mais desafiador que tenha sido trabalhar este tema, por muitas questões, que envolvem burocracias para viabilizar a execução do projeto, falta de estrutura das escolas, bem como preconceito e conservadorismo, por estarmos trabalhando uma temática que abrange um grande tabu, tudo isso parece ficar pequeno perto das dificuldades de se realizar uma investigação desse porte sendo mãe.
Sustentar uma viagem internacional com uma criança de dois anos, durante um mês, para realizar a pesquisa foi uma grande aventura, para não dizer que foi um grande perrengue, muito riso e muito choro. Vivemos coisas incríveis, sim! Mas vivemos também muita tensão e insegurança. Se não fosse uma grande oportunidade, não iria.
Viajar, participar de conferências, redes internacionais são formas de ganhar reconhecimento e legitimidade na academia. Vários editais de fomento à pesquisa vão exigir no currículo a internacionalização como critério de elegibilidade. E isso muitas vezes não condiz com a maternidade. De modo que o tempo todo, nós mães-cientistas vamos buscando adotar estratégias para equilibrar a carreira com o cuidado: reduzir a frequência de viagens, buscar conferências próximas ou mesmo onlines, levar o filho consigo quando possível e até abrir mão de algumas oportunidades. Ainda assim, nós vivemos sentimentos de culpa, cansaço e constante necessidade de justificar nossas escolhas.
Tentar seguir os parâmetros de produtividade acadêmica sendo mãe é impossível, exigindo grandes sacrifícios de pessoas já altamente sobrecarregadas, uma situação que tem contribuído para a conjuntura de desigualdades de gênero, que se agrava ainda mais ao se levar em conta classe, raça, etnia, dentre outros marcadores sociais e também grau acadêmico, quanto menor o grau, mais afetada essa mulher-mãe será.
O bastidor de uma pesquisa realizada por uma mãe é carregado de sangue, leite, lágrimas e suor, e, talvez por isso, os momentos de alegrias e conquistas sejam ainda mais celebrados!
É urgente reconhecer e valorizar trajetórias diversas dentro da academia, abrindo também para se pensar no cuidado como parte legítima destas trajetórias. É urgente reconhecer a maternidade como um serviço humanitário e pensar em políticas públicas que assegurem um devido suporte às mães, para que o cuidado não beire à exaustão. Valorizem as mulheres, as pesquisas feitas por elas e, sobretudo, valorizem as mães!
Legenda da imagem: Encerramento das oficinas de educação menstrual no Centro Escolar Benito Juárez, em Ixmiquilpan, Hidalgo, México
Crédito da Imagem: Karen