Não deixaremos Lygia morrer

Lygia Fagundes Telles faria 100 anos dia 19 de abril. Pelo menos era assim que eu começaria meu texto se não fosse um post que vi no dia 06 de abril. Lygia, uma das maiores escritoras brasileiras, tinha 4 anos a mais do que dizia ter e faria 104 anos. Perdemos a oportunidade de comemorar o centenário de uma autora viva. Ou talvez ela mesma não quisesse tal comemoração.
Não me lembro qual foi meu primeiro contato com Lygia, mas sei que a família de seu ex-marido, Goffredo Carlos da Silva Telles, tem uma fazenda na minha cidade e minha avó conta que Lygia vinha para cá de vez em quando. A fazenda Santo Antônio foi onde Lygia escreveu partes do romance “Ciranda de Pedra” e também recebeu outros escritores e artistas como Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Heitor Villa-Lobos. Assim, sempre me pareceu que ela era uma pessoa próxima, quase que uma amiga da família. Mas o que me lembro bem é de ser arrebatada por suas palavras.

“Eu poderia ficar repetindo infinitamente infinitamente. Uma simples palavra que se estende por rios, montes, vales infinitamente compridos como os braços de Deus. As palavras.” (As Meninas, 2009, p. 14, Companhia das Letras)

Ela foi uma das poucas mulheres na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1941, e seguiu uma carreira inimaginável para a maioria das mulheres brasileiras naquela época. Em homenagem na Academia Paulista de Letras, disse “eu queria mostrar que a mulher, no Brasil, não precisava ser rainha do lar. Queria dizer que ela pode segurar a tocha da coragem e do desejo de mostrar a igualdade entre homens e mulheres”. Sua mãe lhe disse que ficaria solteirona, velha e desdentada.
Escreveu sobre mulheres que queriam construir vidas novas, buscar experiências diferentes e enfrentou o período do regime militar com “As Meninas”, publicado em 1973. Este é o meu preferido.
Nele, Lygia traz a história de três meninas, Lorena, Lia e Ana Clara, que moram em um pensionato de freiras. Utilizando do fluxo de consciência, a autora faz as personagens conversarem com o leitor, revezando a narração sobre política, liberação sexual das mulheres, drogas e música.
Pesquisas dão conta da representação da mulher nas obras de Lygia e aprofundam esses aspectos. Mesmo retratando uma mulher muito específica – de classe média, branca, com acesso à educação -, Lygia escreveu sobre aquilo que lhe tocava, lhe assombrava. Ela, acima de tudo, ousou. Fez-se mais nova, advogada, escritora, mãe, ganhou os maiores prêmios literários no Brasil e no exterior.
No documentário Narrarte (1990), ela faz um pedido e, com ele, eu termino. “Me leia, não me deixe morrer”

 

Descrição da imagem: Ilustração feita por mim, em homenagem à escritora; Créditos da imagem: Carolina Carettin.

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